segunda-feira, 27 de maio de 2013

Na ponte

    Havia um homem correndo desesperadamente em pleno centro da cidade do Recife. Não lhe importavam a quantidade de pessoas, os sinais abertos ou fechados, o olhar de estranheza de quem acompanhava sua corrida, nem mesmo um policial que tentara pará-lo sem sucesso. O homem em fuga não parava de correr e seu rosto estava com uma triste e até mesmo assustadora expressão de desespero.  As ruas da cidade estavam úmidas devido à chuva que caíra o dia inteiro e o tempo fechado.

   Chegando num ponto da cidade, uma das antigas pontes que se chamava Maurício de Nassau, onde milagrosamente encontravam-se poucas pessoas, o homem enfim parou ofegante e se encostou próximo a estátua do poeta recifense Joaquim Cardozo. Debruçado então em uma das beiradas da ponte, o infeliz homem pôs-se a chorar e pensou seriamente em terminar com tudo aquilo que estava passando, atirando-se no rio Capibaribe. Não importavam as pessoas e os automóveis que passavam sobre a ponte, o homem estava decidido de que iria realmente pular. A chuva havia parado, mas o rio que cortava as ilhas da cidade ainda estava cheio e um pouco agitado, fora de seu padrão. O homem, ao jogar-se, iria se afogar em questão de segundos, pois jamais aprendera a nadar.

  Definitivamente preparado para pular, o infeliz ouviu uma voz vinda próxima à estátua de Joaquim Cardozo. Ela dizia: “Não faça isso!”.

  Por um momento, o homem achou que estátua ganhara vida e estava tento lhe dar uma lição de moral, mesmo iniciando-a com uma das frases de alerta mais clichês. Porém, ao virar a cabeça para observar quem lhe havia falado, percebeu uma jovem de pé ao lado da estátua, olhando para ele com belos olhos azuis. Seus cabelos eram loiros, cacheados e cheios de vida; quando um pequeno raio solar atravessou uma das nuvens para iluminar aquele tempo escuro que fazia da cidade, os cachos da garota pareciam brilhar. A moça carregava uma mochila e um caderno de capa rosa, revelando ser uma estudante. O homem não parava de olhá-la encantado, porém não havia ainda decido da beirada da ponte.

- Pra quê fazer isso? – Perguntou a garota com voz angelical.

 O quase suicida, por outro lado, nada respondeu. Continuou na mesma posição, olhando para a garota.

- Por favor, senhor, você acha que todos os seus problemas serão resolvidos se fizer isso? – Perguntou a menina, aproximando-se lentamente.

- Acho! – Respondeu finalmente o homem, desviando o olhar para o rio. – A vida é uma tragédia, não quero alguém para estragar minha morte. Por favor, me deixe em paz!

  Fez-se uma pausa. A garota então percebeu que aquele sujeito infeliz que estava tentando se matar também era jovem, mas não tanto quanto ela. Devia ter no mínimo uns 25 anos. Terminando de observar calmamente o rapaz, ela perguntou:

- Não sabe nadar?


- Como pode saber disso? – Perguntou o jovem impaciente e surpreso.

- Pois se soubesse, não iria atirar-se em um rio. A não ser que desejasse se afogar mesmo sabendo bater as pernas e os braços na água, porém seu sistema nervoso não permitiria.

  O rapaz, então, decidiu contar-lhe o quanto seu trabalho infernal estava lhe matando aos poucos e que não mais aguentava ter de deixar estudar o que realmente gostava e precisava para cumprir obrigações impostas pelos pais, que eram donos da empresa na qual lhe atormentava. Era preciso trabalhar para poder sair da casa de seus familiares, porém vivia perdido e sua situação piorou quando fora demitido pelo próprio pai naquela tarde chuvosa.

- Agora que perdi o emprego, não terei mais como pagar a faculdade. Minha mensalidade já está atrasada e posso ser expulso por faltas também. Jamais conseguirei um emprego nessa cidade, meu pai me acha um imprestável e com certeza dirá aos afiliados de sua empresa para não me contratarem.

- E é por isso que você quer acabar com sua vida? – Perguntou a garota.

- Bem... sim.

- Você não acha isso um ato extremamente covarde?

- Perdão?

- Há pessoas com problemas infinitamente piores que os seus e jamais desistiram de viver. Elas fizeram algo que você tem a obrigação de fazer: seguir em frente, apesar das dificuldades. Que é isso? Você é jovem! Não há apenas um tipo de emprego que lhe pague as contas e sustente sua vida. Você pode muito bem trabalhar na área que deseja, dedicar-se mais à faculdade e, acima de tudo, deixar de tanto drama. Ora, a vida não é bela. Aprenda a conviver com as decepções e infortúnios e procure superá-los quando tiver chance! Quanto ao seus pais, tudo que posso dizer é que eles são extremamente tolos por não darem valor a um filho como você; mas se quiser se livrar de uma vez de seus tormentos, surpreenda-os! 

  Fez-se outro silêncio por um momento, até a moça continuar:

- Certo. Sei que não sou boa em dar lições; talvez tudo que eu tenha falado não passa de clichê sentimental, mas é a verdade. Estou só querendo ajudar você. Já passei por situações complicadas assim e até pensei em me matar. Sinto-me uma tola por ter tido essa vontade. E você sentirá o mesmo, um dia. Pois bem, fiz o que tinha de fazer. Não espero que me compreenda, mas não quero ver uma pessoa tão jovem, bonita, com tanta pra viver como você desistir de tudo e entregar-se a um rio com cheiro de excremento sem nem saber nadar para ter uma chance de escapar.

 Ao ouvir tudo aquilo, o homem baixou a cabeça por um momento, respirou fundo e desceu da beirada elevada da ponte, desistindo de fazer qualquer bobagem. A garota sorriu para ele e lhe perguntou o nome.
- Igor. – Respondeu o rapaz.

  Os dois então conversaram rapidamente, trocaram telefones e endereços para se comunicarem melhor outro dia. Antes de se despedirem, a moça falou:
- Pois bem, Igor. Preciso ir numa livraria comprar um livro da faculdade. Quando a gente se encontrar outra vez, espero que já tenha aprendido a falar melhor com as mulheres.

- Como assim? – Perguntou Igor sem graça.

- Ora, percebi que, pelo seu jeito tímido e um tanto nervoso de conversar comigo, você não sai muito com pessoas do sexo oposto. – Respondeu a garota que começou a rir.

 O rapaz sorriu levemente para ela e decidiu agradecer. Pouco depois, um forte vento soprou em direção a ponte, fazendo uma folha de papel voar do caderno de capa rosa da menina diretamente para o asfalto. Igor, para provar tanto um cavalheirismo quanto gratidão pelos conselhos, decidiu buscá-lo.

 O garoto sequer percebeu que a folha de papel era completamente preta, com umas escrituras em branco, tampouco notou o caminhão vindo em sua direção que o atingiu em cheio, causando-lhe uma morte violenta e instantânea. Ao ver aquela cena horripilante, a garota deu um leve e frio sorriso e folheou seu caderno a procura de uma página; quando a encontrou, marcou um “x” no nome de Igor Almeida.

  O povo reuniu-se em volta do corpo do ensanguentado e cheio de ferimentos abertos do jovem. Os que observavam Igor da ponte alegaram que o rapaz estava delirando, falando sozinho, ameaçando se jogar da ponte e sem mais nem menos correr em direção ao asfalto, atirando-se na frente de um caminhão.

 Sendo notada apenas por aquele que estava com a hora marcada, a morte não foi vista por mais pessoas naquele momento. Após concluir mais um trabalho, e evitando um encontro antecipado com alguém que já o nome sublinhado na lista, executando, assim, no momento certo, a garota de radiantes cabelos cacheados desapareceu.  



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