quarta-feira, 2 de novembro de 2016

O Rei e a criatura

Republicação do conto original "A Rainha, o diabo", de fevereiro de 2014. Resolvi escrever esse pequeno conto, com estrutura semelhante ao de roteiro teatral, algo bastante diferente do que costumo fazer, para aproveitar uma ideia concedida pela canção "Killer Queen", da banda Queen. 


- Majestade! Majestade, por favor, atenda-me!

- Que queres de mim, Edward? Não sabes que horas são?

- Por favor, senhor, abra a porta! É sobre vossa Rainha.

O Rei abre a porta de seus aposentos:

- Aconteceu algo?

- O pior, senhor! O pior!

- Ela despertou.

- Exatamente!

- Certificou-se de que ela está perfeitamente trancada e amordaçada?

- Provavelmente, Majestade, sua senhora já deve ter arrebentado as correntes. Nossas únicas esperanças são os 250 guardas instalados na torre.

- Os cidadãos, eles estão evacuando o reino?

- Creio que sim... Meu Deus! Majestade, talvez seja melhor nos apressarmos!

- IREI A LUGAR NENHUM! SAIREI DESTE CASTELO APENAS QUANDO MINHA ESPOSA ESTIVER NOVAMENTE DESACORDADA! – Gritou o Rei.

- Senhor, eu imploro! Não ouviu? Sua majestade está massacrando todos os seguranças!

- Onde está o Padre Fredo quando mais necessitamos de sua presença?

- Convoquei-o para exorcizar sua senhora, no seu último ataque. Após o ocorrido, o Padre fugiu.
Mais gritos de desesperos vindos da torre leste, perto dos aposentos do rei.

- Majestade, mais de 100 homens estão à espera no salão principal no palácio, esperando para lutar pelo senhor, pelo Reino. Por favor, imploro que o senhor também deva honrá-los.

- Edward, nada mais pode ser feito pela minha esposa... quero apenas que me retire daqui e que avise aos guardas que poupem-na de uma morte dolorosa, mesmo que a pobrezinha já esteja morta. Que satã abandone-a de vez e se ponha em seu devido lugar, que é no mais profundo inferno.

Todas as luzes à vela do palácio se apagam de repente.

- Majestade! Majestade! Onde estás? – Gritou desesperado Edward.

- Estou bem atrás de ti. Segure minha mão para me guiar. 

- Sua carruagem provavelmente está à sua espera, lá fora. Terei de ficar aqui para controlar sua senhora. Li que o tipo de entidade que a possuiu apenas escapa dos ambientes pela porta da frente, e se esta for aberta pelo dono da residência. Em hipótese alguma, senhor, abra a porta. Deixe que um soldado abra-a para vossa Majestade.

- Minha senhora está morta, Edward. Irás comigo, pois é o único homem cuja confiança é inacabada.

- Mais soldados virão para impedir a... criatura... sair do palácio e...

O pronunciamento de Edward fora interrompido por barulhentos passos vindos da escadaria que dava acesso aos aposentos.

- Ela está aqui, na torre!

- O que faremos, Edward? O que faremos? – O Rei finalmente começou a se desesperar.

 - Teremos de nos aproveitar da escuridão. Espero que a criatura não consiga enxergar no escuro.

- Demonstre respeite pela sua Rainha, Edward! Ela não é um monstro!

- Senhor, perdoe-me, mas eu devo lhe pedir para falar mais baixo.

- Perdoe-me, Edward. Não sei mais o que fazer.

- Não se preocupe, senhor. Agora, devemos ir. Escutei algo que pareceu ser a respiração da Rainha, ou do ser que agora habita seu corpo.

Porém, o homem de coroa reluzente se opôs:

- Não façamos isto! Morreremos!

- Ela não nos verá. – Contradisse Edward.

- Como tem certeza?

- Não tenho, Majestade. Agora, devemos ir!

Aproveitando-se da completa falta de luz, Edward decidiu colocar seu plano suicida em ação. Ao abrir breve e lentamente a porta dos aposentos reais, percebeu a sombra de uma pessoa andando pelo teto, usando além das pernas os braços, como um quadrúpede. A movimentação dessa criatura variava de lenta para rápida.

- Ela está no teto, senhor. Temos a chance de correr até a entrada da torre e seguir para o saguão principal do castelo.

- Tudo bem.

Assim, os dois homens, cuidadosamente, caminharam até o início (ou término, para quem sobe) da escada e correram. Enquanto corriam, escutavam a criatura com seus passos de aranha segui-los e emitir um perturbador ruído enquanto o fazia. Por sorte, Edward e o Rei conseguiram ser mais rápidos, chegando ao fim da escadaria e sumindo na escuridão, aos olhos da besta.

- O que faremos, então?

- Não fale, majestade!

Mas era tarde. Um vulto extremamente rápido passou por entre os homens e, numa fracção de segundos, capturou um dos dois.

- MAJESTADE!

- AH, MEU DEUS!

- MAJESTADE, NÃO FIQUE AÍ! FUJA! SAIA DO...

 O mandamento de Edward fora interrompido quando sua cabeça, arremessada contra uma parede do castelo, tornou-se uma mera pasta acumulada de miolos e sangue. A rainha possuída aproveitou aquela carne fresca que ainda se encontrava em seus braços e começou a devorá-la.

 O Rei, por outro lado, não sabia para onde ir, até avistar tochas vindas de um corredor próximo: eram os últimos seguranças do castelo, a maioria estava morta (O Rei pisava em seus restos espelhados pelo chão sem perceber, por causa do choque) ou teria guiado os habitantes reino para longe. Um dos guardas perguntou ao Rei abatido:

- Majestade, ficarei com o senhor até a situação amenizar. Os guardas deverão recapturar sua esposa viva, eu sei disso.

- Não! Mate aquele monstro de uma vez por todas! – Ordenou o Rei. – Minha mulher já está morta. Se a criatura escapar deste castelo, irá atrás dos cidadãos, mesmo que estes já estejam longe.

 Obedecendo às ordens do Rei, os seguranças do castelo foram à caça da criatura que, totalmente solta e descontrolava, liquidava qualquer um que tentasse lhe deferir um golpe de espada.

 De repente, um pedaço da lâmina da arma de um guarda morto em ação, jogado pela Rainha, voou em direção ao Rei, que fora salvo pelo segurança que ficara para defendê-lo. O objeto, porém, perfurou o crânio do bravo homem, que caiu como a um boneco de pano no chão, formando uma poça de sangue ao seu redor.

 O Rei, sozinho, sem esperanças, esperava a sua vez; porém, esta não veio. A criatura havia sumido! Seria impossível ter saído do castelo, pois não havia uma saída ou entrada aberta. Totalmente decidido do que fazer, o homem apanhou as tochas caídas dos guardas e começou a incendiar as longas e avermelhadas cortinas do saguão principal de seu castelo, para por um fim naquele pesadelo, de uma vez por todas. Em menos de 5 minutos, todo o saguão estava em chamas. O fogo se espalharia por todos os andares e torres, esperava o Rei. O homem, que jamais esperou que tamanha tragédia fosse um dia acontecer, outra vez, com uma mulher de sua família (apesar de no primeiro acontecimento ter havido uma "cura"), despediu-se da sua esposa em silêncio e saiu do castelo, lutando para não olhar para trás.

 Antes de colocar um pé para fora da porta da frente da residência, que abriu antes de verificar se a temida criatura estava por perto ou não, o Rei sentiu algo encostar seu ombro direito e puxá-lo com tanta força que quase o derrubou no chão. Ao virar-se para ver o que estava acontecendo, deparou-se com horripilante figura feminina, de pele cinzenta e ferida, olhos fundos e vermelhos, cabelos desarrumados. O Rei quis gritar, mas não conseguiu, além de ficar paralisado, com os olhos esbugalhados, centrados naquela visão aterradora.

- Ainda não tive a chance de me despedir, querido. – Disse a criatura, decapitando o Rei com uma única mordida, cuspindo sua cabeça para o lado e jogando o resto de seu corpo para as chamas que tomavam conta do castelo.

- Adeus! – Continuou. – Sou grata por manter a porta aberta, para mim.


 Sentindo o cheiro de camponeses, plebeus e soldados em fuga, a criatura resolveu sair para se divertir com todos e, após o entretenimento, destruir e aterrorizar outras vidas e tomar novos reinos.