No período de divulgação dos primeiros trailers do longa-metragem Faroeste Caboclo, percebi pessoas criticando mais uma "produção nacional que colocava um bandido como personagem central" ou o fato de o filme não fazer sentido, diferente da canção de Renato Russo que inspirou o longa. Apesar de o nosso público brasileiro criticar longas assim, produções como Faroeste Caboclo são filmes de gêneros diferentes, mas que abordam sempre um tema crítico de nossa sociedade. Tais filmes de gênero estão de fato surgindo em nosso cinema. Essa história de "retratar o bandido como mocinho", porém, apesar de não trazer uma mensagem positiva de nosso país, tenta apenas mostrar a realidade invisível para os olhos de muitos cidadãos brasileiros por meio da arte audiovisual. Nem sempre é prudente pagar para ver algum que não corresponda com a verdade e tampouco sirva como alerta ou reflexão de como nossa sociedade consegue ser cruel com seu próprio povo.
Admito não ter esperado muita coisa do filme dirigido corajosamente pelo estreante em longa-metragens René Sampaio (diretor do premiado curta Sinistro, em 2000), pois deixei uma pequena ignorância tomar conta de minha mente ao pensar na impossibilidade de um filme baseado numa famosa canção adorada por muitos e cansativa para outros, com uma mensagem crítica que vale mesmo após mais de 25 anos de sua criação, desse certo. Tamanha era a responsabilidade do diretor de adaptar a música da cultuada banda Legião Urbana para as telas.
A história do filme é mesma da música, que por si já é ótima e bastante realista. Ambientada nos anos 80, João do Santo Cristo (Fabrício Boliveira) deixa sua cidade natal no interior da Bahia, após sair do reformatório, para morar em Brasília. Lá, passa a trabalhar de carpinteiro para ganhar vida e quando percebe que o emprego não é o suficiente, decide entrar nos negócios proibidos de seu primo peruano Pablo (vivido pelo ótimo ator uruguaiano César Troncoso) e, assim, passa a vender drogas. Quando Santo Cristo envolve-se com Maria Lúcia (Ísis Valverde), uma garota da classe média, apaixona-se por ela e deseja com a menina ter uma vida melhor, longe do tráfico de drogas. Porém seu trabalho lhe fez arranjar vários inimigos, entre eles o traficante Jeremias (Felipe Abib).
Seguindo a mesma crítica da canção, porém apresentando um desenvolvimento diferente, o filme pode impressionar fãs do Legião Urbana e até funcionar com aqueles que não conhecem o trabalho da banda mas gostam do gênero faroeste. O roteiro apresenta alguns tropeços e furos, mas o filme, como já falei antes, desenvolve-se bem ao incluir versos da música, excluir alguns e criar novos, tornando a trama mais corajosa, polêmica e crítica que a canção em alguns momentos. Talvez o filme tenha realmente funcionado, ao meu ver, por apresentar as mesma ideias porém com mais complexidade e ousadia. Temas como racismo e preconceito contra imigrantes de pequenas cidades, mencionado na música, são mais abordados no longa, principalmente em cenas chocantes de tortura e violência. René Sampaio mostrou-se competente e corajoso na direção de seu primeiro longa-metragem.
Quanto aos recursos técnicos, Faroeste Caboclo apresenta uma bonita fotografia, típica de filmes do gênero western dos anos 60/70, fazendo referências aos longas do diretor Sergio Leone (Era Uma Vez no Oeste); trilha sonora diversificada e apropriada nos momentos do filme; recriação brilhante do ambiente oitentista de Brasília, assim como na produção Somos Tão Jovens, outro filme que levou Legião Urbana paras os cinemas em 2013. O bom elenco está perfeitamente encaixado em seus papeis, porém os personagens principais (João e Maria Lúcia) não conseguem ser tão carismáticos perto dos vilões Jeremias e o policial Marco Aurélio (Antônio Calloni). Este primeiro, de fato consegue roubar a cena e tornar-se um grande e talvez memorável vilão do cinema brasileiro.
No final, porém, falta um pouco de emoção presente na música e temo que um público que jamais ouviu ou soube como é a história da canção se decepcione quando o filme terminar. É aconselhável compreender que a música não tem final feliz e o filme também apresenta um trágico fim dos personagens principais, porém menos emocionante ou surpreendente, mas isso não interfere na sua qualidade.
Faroeste Caboclo também serve para mostrar que o cinema nacional de gêneros diversificados está crescendo e deve ganhar total reconhecimento do público e amantes da sétima arte. Como fã de Legião Urbana e da canção, confesso ter ficado feliz com o resultado da produção, apesar do final pouco empolgante mas perdoável, e espero que o filme faça sucesso entre outros indivíduos que adoram a banda e conquiste novos fãs.
Nota: 7,5
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