quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Conto: InSônia

InSônia

 Estava extremamente frio. Ernesto tentou fazer o possível para proteger seu corpo da frieza que exalava no quarto onde dormia. Tentou procurar um cobertor, mas não encontrou um sequer. Queria muito voltar a dormir, mas a baixa temperatura tirava seu sono à força. O homem, então, tentou tornar a fechar os olhos, na esperança de conseguir finalmente descansar, mas, alguma coisa chamou-lhe atenção.

 Ernesto havia acabado de se dar conta de que não estava em sua cama quente e confortável, tampouco em seu quarto. Perguntava a si mesmo onde diabos estava e o porquê de tal lugar ser tão frio e, ainda por cima, escuro.

 A única iluminação daquele lugar vinha de alguns metros de distância de onde Ernesto estava. “Devo ir lá para ver que luz é aquela?” pensava o homem. Era um feixe de luz avermelhado que, apesar da cor e do fato de brilhar até causar dor nos olhos, esquentava em nada a frieza daquela escuridão.

 Apesar de causar-lhe incerteza – e até mesmo um pouco de medo -, aquela misteriosa luz vermelha não parava de despertar também curiosidade na própria cabeça ingênua de Ernesto. “Será um sonho?” disse o homem. Não sabia o que ia acontecer se chegasse mais perto do feixe luminoso. As únicas certezas que o homem tinha: precisava e queria, desesperadamente, dormir; só descobriria o que porcaria de luz era aquela se fosse até lá para ver.

 Ernesto, então, decidiu criar coragem e rumar em direção ao feixe avermelhado. Na verdade, antes mesmo de pensar em ir, suas pernas estavam lhe guiando até aquela coisa. Nada ali fazia mais sentido. Estava morrendo de vontade de dormir, tinha certeza que era isso que estava fazendo até pouco tempo, mas não havia mais um meio de conseguir pregar os olhos.

 Quando finalmente chegou até a luz, Ernesto deixou todas as preocupações referentes ao sono e o lugar onde estava de lado e centralizou-se naquela coloração vermelha que, de perto, era bela, quente e confortável. Percebeu que por trás daquela maravilha poderia ter alguma coisa interessante, algo que pudesse satisfazê-lo; foi aí que o homem decidiu atravessar o feixe. Fazendo isso, deparou-se apenas com uma figura humana, do outro lado. A pessoa, que provavelmente era um homem, estava virada de costas e dentro de uma espécie de neblina negra, o que deixou Ernesto com um pouco de medo.

 Lá estava a criatura, parada, virada de costas, vestido com uma espécie de manto preto com capuz, rodeada de nuvens negras que cobriam seu corpo da cintura para baixo.

 Ernesto estava realmente assustado. Tentou voltar para o lugar onde estava, mas não conseguiu se mover. Foi aí que o calor tornou-se mais forte. Seu suor frio chegava a evaporar quando escorria. Os pés do pobre homem estavam completamente presos ao chão, perto daquela criatura sombria que exalava um terrível medo e calor. Quando tal criatura enfim se moveu, tirou o capuz que cobria sua cabeça, exibindo uma cabeleira muito preta e crespa, com um par de pontudos chifres brotando logo acima das orelhas.

 O horror de Ernesto aumentou quando a besta virou para a sua frente, mostrando, então, sua tão temida face. Precisou ouvir um grito desesperado de uma mulher, muito familiar para Ernesto, vindo de fora do lugar onde estava, para ele perceber o que estava realmente acontecendo.

 Do outro lado, uma mulher se encontrava totalmente amarrada em sua cama, se contorcendo e forçando para poder sair para se livrar das ameaças religiosas de um exorcista que estava do seu lado esquerdo, fazendo seu trabalho, enquanto seu assistente tentava controlar a situação, à direita. A cunhada da vítima do exorcismo estava também no quarto, rezando todas as orações que conhecia para que a besta livrasse o corpo da irmã de seu falecido marido.

“EM NOME DE DEUS E NOSSO SENHOR JESUS CRISTO, EU ORDENO QUE ABANDONE ESTE CORPO!” ordenava constantemente o exorcista, que jogava Água Benta em cima da mulher contorcida e apontava uma cruz, ameaçando encostar-lhe no corpo.

 Quando a situação pareceu se amenizar, Clara, que observava sua cunhada voltar a ter seu corpo menos contorcido, aos poucos, e os olhos com mais brilho, perguntou inocentemente:

“Sônia, você está aí?”

 A mulher olhou para Clara, deu um sorriso, e começou a falar, mas, infelizmente, ainda não era Sônia que estava ali.

“Não, mas seu marido está, Clara Schmit! Ernesto esteve aqui comigo um longo tempo!”

 Clara não sabia o que fazer, tampouco pensar, quando ouviu o nome de seu finado marido ser pronunciado por aquela voz rouca e sombria. Chorou ao tomar conhecimento que a alma de Ernesto estava condenada a passar a vida eterna ao lado de entidades que apoderavam de corpos vivos. Enquanto isso, os eclesiásticos lutavam para libertar Sônia, Clara, e agora a alma de Ernesto daquele pesadelo.


 Dentro de Sônia, lá estava Ernesto, servindo de marionete da Besta, que escolhera sua alma para torturar as pessoas que ele mais amava, tanto em vida quanto além dela. Lhe doía também pensar que sua alma fora tão tola a ponto de ser manipulada pelo próprio satã, que o tirara de seu descanso eterno para viver na insônia pós morte e não mais “dormir” até o fim do sofrimento da sua irmã e da sua viúva.

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