InSônia
Estava extremamente frio. Ernesto tentou fazer
o possível para proteger seu corpo da frieza que exalava no quarto onde dormia.
Tentou procurar um cobertor, mas não encontrou um sequer. Queria muito voltar a
dormir, mas a baixa temperatura tirava seu sono à força. O homem, então, tentou
tornar a fechar os olhos, na esperança de conseguir finalmente descansar, mas,
alguma coisa chamou-lhe atenção.
Ernesto havia acabado de se dar conta de que
não estava em sua cama quente e confortável, tampouco em seu quarto. Perguntava
a si mesmo onde diabos estava e o porquê de tal lugar ser tão frio e, ainda por
cima, escuro.
A única iluminação daquele lugar vinha de
alguns metros de distância de onde Ernesto estava. “Devo ir lá para ver que luz
é aquela?” pensava o homem. Era um feixe de luz avermelhado que, apesar da cor
e do fato de brilhar até causar dor nos olhos, esquentava em nada a frieza
daquela escuridão.
Apesar de causar-lhe incerteza – e até mesmo
um pouco de medo -, aquela misteriosa luz vermelha não parava de despertar
também curiosidade na própria cabeça ingênua de Ernesto. “Será um sonho?” disse
o homem. Não sabia o que ia acontecer se chegasse mais perto do feixe luminoso.
As únicas certezas que o homem tinha: precisava e queria, desesperadamente, dormir;
só descobriria o que porcaria de luz era aquela se fosse até lá para ver.
Ernesto, então, decidiu criar coragem e rumar
em direção ao feixe avermelhado. Na verdade, antes mesmo de pensar em ir, suas
pernas estavam lhe guiando até aquela coisa. Nada ali fazia mais sentido.
Estava morrendo de vontade de dormir, tinha certeza que era isso que estava
fazendo até pouco tempo, mas não havia mais um meio de conseguir pregar os
olhos.
Quando finalmente chegou até a luz, Ernesto
deixou todas as preocupações referentes ao sono e o lugar onde estava de lado e
centralizou-se naquela coloração vermelha que, de perto, era bela, quente e
confortável. Percebeu que por trás daquela maravilha poderia ter alguma coisa
interessante, algo que pudesse satisfazê-lo; foi aí que o homem decidiu
atravessar o feixe. Fazendo isso, deparou-se apenas com uma figura humana, do
outro lado. A pessoa, que provavelmente era um homem, estava virada de costas e
dentro de uma espécie de neblina negra, o que deixou Ernesto com um pouco de
medo.
Lá estava a criatura, parada, virada de costas,
vestido com uma espécie de manto preto com capuz, rodeada de nuvens negras que
cobriam seu corpo da cintura para baixo.
Ernesto estava realmente assustado. Tentou
voltar para o lugar onde estava, mas não conseguiu se mover. Foi aí que o calor
tornou-se mais forte. Seu suor frio chegava a evaporar quando escorria. Os pés
do pobre homem estavam completamente presos ao chão, perto daquela criatura
sombria que exalava um terrível medo e calor. Quando tal criatura enfim se
moveu, tirou o capuz que cobria sua cabeça, exibindo uma cabeleira muito preta
e crespa, com um par de pontudos chifres brotando logo acima das orelhas.
O horror de Ernesto aumentou quando a besta
virou para a sua frente, mostrando, então, sua tão temida face. Precisou ouvir
um grito desesperado de uma mulher, muito familiar para Ernesto, vindo de fora
do lugar onde estava, para ele perceber o que estava realmente acontecendo.
Do outro lado, uma mulher se encontrava
totalmente amarrada em sua cama, se contorcendo e forçando para poder sair para
se livrar das ameaças religiosas de um exorcista que estava do seu lado
esquerdo, fazendo seu trabalho, enquanto seu assistente tentava controlar a
situação, à direita. A cunhada da vítima do exorcismo estava também no quarto,
rezando todas as orações que conhecia para que a besta livrasse o corpo da irmã
de seu falecido marido.
“EM NOME DE
DEUS E NOSSO SENHOR JESUS CRISTO, EU ORDENO QUE ABANDONE ESTE CORPO!” ordenava constantemente
o exorcista, que jogava Água Benta em cima da mulher contorcida e apontava uma
cruz, ameaçando encostar-lhe no corpo.
Quando a situação pareceu se amenizar, Clara,
que observava sua cunhada voltar a ter seu corpo menos contorcido, aos poucos,
e os olhos com mais brilho, perguntou inocentemente:
“Sônia,
você está aí?”
A mulher olhou para Clara, deu um sorriso, e
começou a falar, mas, infelizmente, ainda não era Sônia que estava ali.
“Não, mas
seu marido está, Clara Schmit! Ernesto esteve aqui comigo um longo tempo!”
Clara não sabia o que fazer, tampouco pensar,
quando ouviu o nome de seu finado marido ser pronunciado por aquela voz rouca e
sombria. Chorou ao tomar conhecimento que a alma de Ernesto estava condenada a
passar a vida eterna ao lado de entidades que apoderavam de corpos vivos.
Enquanto isso, os eclesiásticos lutavam para libertar Sônia, Clara, e agora a
alma de Ernesto daquele pesadelo.
Dentro de Sônia, lá estava Ernesto, servindo
de marionete da Besta, que escolhera sua alma para torturar as pessoas que ele
mais amava, tanto em vida quanto além dela. Lhe doía também pensar que sua alma
fora tão tola a ponto de ser manipulada pelo próprio satã, que o tirara de seu
descanso eterno para viver na insônia pós morte e não mais “dormir” até o fim do
sofrimento da sua irmã e da sua viúva.
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