quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

O Caroneiro

   As duas irmãs gêmeas Ana Paula e Elisa eram duas garotas fascinadas por cinema. Gostavam de qualquer tipo de filme e viviam alugando fitas de vídeo na locadora de seu tio, como qualquer jovem que aproveitava o avanço da tecnologia e a maior influência do VHS, no início dos anos 90. Atualmente, estavam fascinadas com um filme de terror dos anos 80 chamado "A Morte Pede Carona".

   Meninas de bem, recém formadas no colegial, as irmãs já tinham emprego numa cidade afastada da capital do Estado de São Paulo e viviam em uma casa simples, porém bem organizada. Costumavam, de vez em quando, chamar uns amigos para assistir filmes e farrear moderadamente, pois não suportavam exageros. Eram meninas competentes e responsáveis.

   A mais nova (que nascera 10 minutos após a outra), Elisa, estava passando por um momento um tanto chato pois uma grande amiga sua que morava na capital estava abalada por ter sido traída pelo namorado, com quem estavam juntos há quase 7 anos. A garota lamentava pela amiga e sentia-se preocupada por morar longe e não estar do seu lado em uma situação tão complicada. Trocavam telefonemas e cartas, mas isso não era o suficiente; precisavam conversar pessoalmente. Até que, no começo de uma noite de verão, Elisa recebeu uma ligação de sua amiga que a fez convencer-se de que realmente precisava ir a São Paulo. Assim, chamou a irmã mais velha para acompanhá-la e dirigir quando lhe desse sono.

  Ana Paula não gostou muito da ideia e até achou a situação estranha. Percebera que sua irmã passara quase meia hora no telefone e assim que desligou resolveu viajar para São Paulo, na escuridão, para consolar uma amiga, apenas. Ana sempre foi uma garota muito cautelosa, não gostava de se arriscar, mas precisava fazer isso pela sua irmã que estava quase tão estérica quanto sua amiga. Sem falar que a garota não parava de lembrar o filme de terror que assistira com sua irmã, "A Morte Pede Carona".

- Vamos logo! Não podemos perder tempo! - Alertou Elisa - São Paulo fica há quase 3 horas daqui.

- Eu realmente não isso uma boa ideia. - Falou Ana, calmamente - Viajar numa estrada escura, Elisa? Tem certeza que não prefere ir amanhã de manhã?

- De jeito nenhum! - Exclamou Elisa, sentindo-se um pouco irritada com a falta de confiança da irmã - Vamos sair em 10 minutos. Pegue água e alguns lanches. Já preparei nossas malas.

- Tudo bem.

  Assim, as duas partiram. A estrada estava realmente escura e não muito movimentada. Haviam caminhões cargueiros, fazendo as entregas da noite, famílias viajantes e motociclistas fugitivos que voltavam do horror da cidade grande, procurando refúgio no interior. Passada 1 hora, as garotas perceberam que o local estaria vazio se não fosse pelo carro que estava a frente. A noite estava quente, silenciosa, porém não morta. Ana procurava papear com sua irmão, mas Elisa parecia não estar com vontade de conversar. Estava muito quieta e concentrada no volante. Quando pediu para sua irmã ser a motorista, Elisa relaxou mais um pouco; começou a papear sobre o emprego, garotos e, principalmente, cinema, sua maior paixão.

   Com o passar do tempo, a noite tornou-se mais escura e sinistra. Ana dirigia e enxergava muito bem, não tinha dificuldades para ver no escuro. Assim, a garota avistou de longe uma pessoa parada fora da estrada, de pé, fazendo um gesto com a mão que simbolizava carona. Mostrando aquela sinistra figura para a irmã, Ana comentou:

- Espero que o carro da frente o ajude.

 Porém, não aconteceu. O carro passou diretor e fez questão de espalhar poeira em cima daquela pobre pessoa, ainda fazendo o famoso sinal com o dedo polegar. Ana então pensou melhor e procurou não ficar muito assustada, pois não queria deixar alguém sozinha naquela estrada escura. Parou o carro um pouco depois do lugar em que o caroneiro estava e fez sinal para ele entrar no banco de trás. Sua irmã ficou emocionada com a ideia, mas um pouco nervosa, devido ao tempo. E se aquele carona atrasasse a viagem? Pensou ela. Mas ficou tranquila, afinal, também não gostou de vê-lo sozinho e provavelmente perdido no escuro.

    Assim que o carona entrou, as garotas perceberam que era um rapaz, mais ou menos da mesma idade ou um pouco mais velho que elas. Um tanto ofegante e assustado, o homem começou a falar:

- Muito obrigado! Muito obrigado mesmo! Eu não sei como vim parar aqui, sério. Acho que fui sequestrado, bateram em minha cabeça e acordei nessa estrada. - O rapaz estava realmente nervoso.

- Fique calmo. - Disse Elisa tentando consolá-lo - Estamos indo para a capital, você pode contar tudo à polícia.

   O garoto, quando viu o rosto de Elisa, sentiu como se já tivesse a visto em algum lugar. Pensou, mas não conseguiu associar nada. Estava muito confuso. Disse que não lembrava como havia chegado lá. As garotas estavam preocupadas com ele.

- Não lembro de como e quando cheguei aqui. Nem onde estava antes. - Disse ele com uma voz lenta e um pouco fria. Aparentando-se mais calmo.

   Além de preocupada, Ana estava com medo. Quem seria aquele rapaz? Um fugitivo? Um marginalzinho barato? Ou apenas um garoto bêbado vítima de uma "brincadeirinha" de amigos? A garota chegou ao ponto de desejá-lo fora do carro, mas não tinha coragem de mandá-lo sair. A jovem percebe que sua irmã conversava com o tal caroneiro, que não deixava de olhá-la de um modo desconfiado.

   Elisa, para melhor conversar com o rapaz, mudou-se para o banco de trás, o que deixou Ana preocupada. Não sabia ela o que um garoto estranho poderia fazer. Tudo estava indo bem, até que Ana ouviu um terrível grito de horror e olhou imediatamente para trás para ver o que estava acontecendo. A garota não conseguiu acreditar no que via: Sua irmã perfurava o peito do rapaz sentado ao seu lado com uma afiada faca de cozinha. Esfaqueando violentamente e diversas vezes o garoto, Elisa parecia saber o que estava fazendo, o que aterrorizou ainda mais sua irmã. Com cinco facadas no peito, litros de fluido vermelho jorravam do corpo do pobre rapaz que já se encontrava imóvel, duro e frio. Ana perdeu o controle do carro, que chocou-se levemente contra uma pequena placa de trânsito, fazendo veículo parar. Limpando a faca nas vestes do defunto, Elsa tranquilamente começou a falar de um modo que Ana jamais ouvira anteriormente:


 - Isso fazia parte do meu plano. Espero não ter assustado você, mana. Tudo bem? – Elisa pouco ligava para a expressão de horror da sua irmã – Olha, é melhor me ajudar a esconder o corpo desse merdinha lá fora, no matagal, antes que algum outro carro passe aqui. 

  Ana nada falou, simplesmente obedeceu sua irmã. Ainda chocada com tudo aquilo, não se atreveu a perguntar o motivo de Elisa ter matado aquele desconhecido. As duas garotas pegaram o corpo do garoto e levaram para a mata escura. No meio do matagal, deixaram o rapaz ensanguentado e sem vida e, logo depois, correram para o carro. Ana parecia menos abalada, porém respirou fundo e perguntou aos gritos:

- O que diabos você fez?! O que foi aquilo? Você o conhecia?

- Claro que conhecia, ele era o ex. namorado da minha amiga de São Paulo. Havíamos combinado isso desde que ele a traiu e humilhou-a na frente dos amigos. Eu sabia que ela não era capaz de mata-lo, portanto resolvi assumir essa responsabilidade, ela somente o dopou e deixou-o no meio da estrada, até a gente passar e “resgatá-lo”. Por sorte, nenhum carro parou, antes de passarmos. Normalmente ninguém para a essa hora da noite.

   Ana não acreditava naquilo. Tudo era pior do que um filme de terror. Não podia acreditar que sua irmã gêmea se envolvera numa loucura dessas, que matara alguém inocente somente por pedidos de uma amiga desiludida. Elas loucas deviam apodrecer em um hospício, pensava a garota, mas ela nada podia fazer, pois também estava envolvida.

- Para onde iremos agora? – Perguntou Ana - Para a capital? O banco de trás do carro está manchado de sangue. 

    Elisa deu uma gargalhada e falou:

- Eu forrei os bancos de trás com o pano e trouxe água para me lavar. Como lhe falei, tudo estava planejado. Vamos para a capital sim. Graças aos céus, hoje a estrada está completamente vazia. 

  Quando as duas finalmente voltaram ao carro, Ana estava muito abalada ainda para assumir o volante e Elisa decidiu dirigir. Olhando para a expressão de terror de sua gêmea mais velha, a garota falou:

- Ora, não fique assim. Não matarei você se contar para alguém e sei que você jamais faria isso. Ah, e não culpe os filmes também, pois a realidade é destinada a ser pior que a ficção, mana.
 

   Ana infelizmente concordou, pois estava fazendo parte de uma realidade mais assustadora e chocante do que qualquer filme que já havia assistido. No filme de sua vida, a verdadeira morte era a carona, sua imrã psicopata. De repente, a garota lembrou-se de uma frase do seu longa-metragem favorito dos anos 70: “É curioso como as cores do mundo real parecem muito mais reais quando vistas no cinema.”, na qual, infelizmente, não sabia se continuaria concordando.




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