quarta-feira, 27 de março de 2013

Columba livia

  Rocco acordou tonto e enjoado, com um enorme ferimento na cabeça que doía e o deixava mal. De repente, o homem percebeu estar deitado no chão de um lugar alto, mais precisamente no telhado de um pequeno prédio. Rocco não tinha ideia de como havia chegado lá, nem o fato de ter adormecido. Sentia-se perdido, confuso, com a cabeça latejando de dor e tonto.

   De repente, Rocco começou a andar até a beirada do telhado para ver de cima a altura do prédio. Chegando lá, olhou para baixo e tomou um grande susto. O coque que havia tomado conta de sua pessoa o impediu de gritar ou emitir qualquer tipo de som. Lá em baixo, havia um corpo estirado no chão sobre uma poça de sangue, proveniente do crânio arrebentado da tal pessoa morta. Rocco não parava de olhar, pois aquele rosto pálido, com os olhos abertos que não mais podiam mais ver, e sem expressão lhe parecia familiar. Curiosamente, não havia ninguém por perto, nem mesmo os habitantes do desconhecido prédio (se é que havia alguém morando lá) não removeram o corpo, tampouco chamaram os legistas. Aproveitando que o local ainda estava vazio, Rocco resolveu descer para melhor examinar o cadáver. 

   Ao chegar perto do morto e vê-lo, Rocco sentiu suas pernas tremerem e seu corpo tomar um choque pior do que o anterior. Dessa vez, um grito de horror saiu do homem ao ver, sem explicações lógicas, seu próprio corpo sem vida e ensanguentado no chão. Rocco não estava entendo aquilo. Não tinha irmãos gêmeos e era impossível alguém ser tão parecido com ele daquele jeito. Era realmente seu próprio eu, morto naquele lugar abandonado. 

   Rocco então resolveu se afastar daquela coisa horrível e sem explicação, correndo sem direção. Após correr quilômetros e sem saber onde estava, o homem parou, começando a ofegar. Precisava da ajuda de alguém, mas não havia uma vivalma por perto. Rocco, então, chegou numa praça e resolveu lavar o rosto em um pequeno lago que lá havia. O local estava cheio de pombos, os únicos seres vivos que o homem via após ter acordado naquele lugar estranho. Ao chegar perto da água, notou um objeto submergir, de repente, e assustou-se quando viu que não passava de outro corpo. Para o espanto de Rocco, que ainda estava perturbado após a experiência de ver um cadáver que era a sua cara, o homem percebeu que o morto que flutuava no lago assemelhava-se bastante com ele. Rocco não podia acreditar naquilo. “Como é possível ser seguido por defuntos que são a sua cara?”, pensou ele.


   Não sabendo se estava louco, ou se tudo aquilo era apenas um sonho ruim, Rocco não sabia mais o que fazer a não ser descobrir a verdade ou acordar. De repente, o homem percebeu estar em um lugar próximo a sua casa e, assim, resolveu seguir até acha-la e ficar por lá até tudo se esclarecer. Chegando milagrosamente na sua propriedade (com uma incrível rapidez, para quem estava tonto e perdido), Rocco correu pro banheiro para vomitar; mas quando lá chegou, ao abrir a porta, percebeu mais um corpo morto, dentro de uma banheira cheia d’água misturada com sangue. O defunto, que mais uma vez tinha a cara do pobre homem, estava com a garganta e o peito rasgados por uma faca.

     Rocco finalmente percebeu que havia enlouquecido! Saiu correndo e gritando pela casa, sem ter consciência do que estava fazendo. Ao chegar na sala de estar, percebeu que o local era palco de uma carnificina; três corpos, todos retalhados por faca e, mais uma vez, todos com a mesma face: a face do pobre Rocco que saltou pela janela para fora de casa, caindo no gramado, começando a se debater enquanto, inexplicavelmente, um bando de pombos começou a lhe atacar, bicando-lhe todo o corpo. Foi nesse momento que o homem finalmente caiu da cama, batendo fortemente com a cabeça no chão, acordando daquele sonho louco. A forte pancada lhe causou um ferimento na testa, deixando-o tonto. Recuperando o sentido aos poucos, percebeu dois homens conversando do lado de fora do seu alojamento.



- O paciente da cela 6 chama-se Rocco Giatti, mais conhecido como “O Pombo”; descendente de família italiana, 25 anos. – Disse um homem que trajava um jaleco branco. – Tem certeza que quer usar a história dele na sua matéria?

- Claro que sim! Soube que esse cara é o psicótico vivo de história mais chocante que vocês mantém preso aqui. – Respondeu o outro que aparentava ser um jornalista. 

  Rocco levantou-se do chão, com a cabeça ensanguentada, e se aproximou da porta para melhor ouvir a conversa dos dois homens vinda do lado de fora.





- Rocco Giatti era o caçula de 3 irmãos. Sua família não era rica e jamais deram atenção que Rocco achava que deveria ter. Vivia sozinho, isolado e deprimido. Na escola, a garotada tirava-lhe sarro e faziam brincadeiras de extremo mau gosto. Sua situação piorou quando o pai começou a beber e descontar os infortúnios da vida nos familiares. – O doutor fez uma pausa durante a explicação, depois continuou. – Um dia, seu pai espancou a mãe e ao garoto na frente de todo mundo durante uma feira de ciências na escola, por conta do seu alto estado de embriaguez. Seu irmão mais velho também estava tomando o caminho errado; envolvia-se em brigas, comprava drogas e praticava assaltos com canivetes. Rocco, porém, havia encontrado uma garota. Tudo estava indo bem, até ele descobrir que ela estava dando em cima de um de seus irmãos, justamente o problemático.  Revoltado com aquilo, pois o Rocco nunca ganhou alguma coisa que ele realmente gostava na vida, e sentindo-se humilhado com a traição, o garoto resolveu conversar com irmão. Durante uma festa no colégio, os dois foram pro telhado do prédio conversar, mas a quantidade de álcool que havia no sangue do irmão mais velho o fez partir para a violência. Os irmãos, então, brigaram e, acidentalmente, Rocco empurrou seu oponente do telhado, que morreu na hora, como o crânio arrebentado no chão. 


O jornalista já sabia o garoto psicótico como deu fim a sua namorada infiel, fazendo-a se afogar no lago de um parque, durante um passeio noturno que os dois costumavam fazer. 

- Então foi essa a razão de ele ter assassinado aquela menina no lago. Não sabia que tinha algo a ver com seu irmão. – Comentou o jornalista enquanto anotava as curiosidades em seu bloco de notas. 

- De fato. Seu outro crime foi o assassinato do resto de sua família que, para Rocco, eram criaturas sem valor que não mereciam respirar o mesmo ar que ele. Anos de mágoas foram descontados com facadas. Primeiro, pegou o pai de surpresa enquanto banhava-se, depois a mãe os outros dois irmãos, na sala de estar. – Disse o doutor. – Vamos tomar um café e lhe contarei mais detalhes.


   Enquanto os dois caminhavam para a saída do corredor, Rocco ouviu seu doutor comentar sobre a louca obsessão por pombos, de seu paciente. De fato, desde criança, Rocco tinha como únicos amigos aquelas aves que, para muitos, não passam de ratos com asas. Quando os homens enfim sumiram do corredor, Rocco percebeu-se mais uma vez só naquela cela pequena, onde vivia há mais de 10 anos recebendo tratamentos e nunca obtendo melhoras, procurando meios de fugir porém jamais adquirindo sucesso.


   Ainda perturbado com o sonho que tivera com seus crimes, sendo ele a vítima, seus amigos pombos atacando-o, Rocco resolveu não dormir mais e ficar sentado no canto de sua cela fechada, pensando na maldita vida. Quando, de repente, sentiu um cheiro podre de carne vindo debaixo da cama, Rocco foi verificar o que era aquele mau odor e percebeu dois indivíduos, um com jaleco branco de doutor e outro com um pequeno bloco de notas ao lado, mortos por estrangulamento e uma caneta espetada no olho, respectivamente. E mais uma vez, curiosamente, os dois corpos tinham a face de Rocco Giatti, o Pombo, prisioneiro fugitivo de alta periculosidade que estava vagando pelo mundo com uma sede insaciável de cometer crimes após 10 anos de prisão. 





 

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