segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Outro Conto Sobre Sereias e Mortes (Parte I)

   Desde a morte prematura de seu irmão gêmeo, Michael estava vivendo um profundo estado de melancolia e solidão. Henry era o seu único amigo, companheiro de brincadeiras na infância, pescas, navegações e aventuras na juventude. Os irmãos não tinham amigos, apesar da tamanha fortuna que sua família fizera na então pequena cidade de Liverpool, no noroeste da Inglaterra, quando, em 1790, seu pai fundara a primeira companhia de pesca da cidade. Para o maior infortúnio de Michael, assim como o de toda família McMillan, Henry foi encontrado morto logo abaixo da janela escancarada de seu quarto, que ficava no quinto andar da mansão à beira do mar. Seu corpo estava enganchado nos espinhos dos jardins, vários dos seus ossos estavam quebrados e o garoto veio a óbito de olhos abertos e, assustadoramente, com uma expressão de alguém que não estava acordado (ou dentro de si) quando cometera o suicídio.

  Michael e Henry eram rapazes extremamente corteses, filhos de uma influente e simpática família, porém tímidos e pouco sociáveis. Não frequentavam festas ou bailes da alta sociedade, não saiam com damas ou senhoritas de família, queriam saber “apenas” de viver, apesar de isso não agradar muito aos pais. Henry veio ao mundo poucos minutos depois de Michael e acreditava que esse fato lhe proporcionara uma vontade de viver intensamente para compensar os minutos perdidos que passara no ventre de sua mãe. Ninguém jamais imaginaria que aquele rapaz alegre, gentil e tímido ao mesmo tempo, e cheio de vida pudesse tirar a própria vida. Porém, antes de Henry partir, tanto Michael quanto os demais familiares notaram certa estranheza no garoto; o rapaz aparentava-se não estar mais dentro de si, vivia olhando para o leste e passava a maior parte do tempo admirando o oceano, com um olhar de aluado. Henry também estava falando muito de uma garota de longos cabelos castanhos claros que via todas as noites caminhando na praia, perto do mar; ele não fazia ideia de quem era e ninguém além do rapaz jamais havia vista tal senhorita caminhante. Segundo o garoto, a moça emitia um belo som em forma de canto, ao ver que estava sendo observada.

 Michael jamais entendeu aquilo. Por que seu irmão estava tão obcecado por uma mulher (que provavelmente não existia) sendo que ele jamais falara com uma, a não ser membro da família? Os dois irmãos jamais estiveram apaixonados por alguma garota e pouco entendiam das relações entre homem e mulher; porém, apesar da extrema timidez, Henry estava realmente interessado em saber mais sobre a moça que via caminhar todas as noites na praia. Saiu pela cidade perguntando sobre uma jovem de pele branca, cabelos castanho claro (quase avermelhados), vestido de peculiar coloração verde e que gostava de caminhar na praia durante a noite. Ninguém soube responder. A moça era uma desconhecida, fato que deixou os mais próximos a Henry desconfiados de sua sanidade mental. O garoto, porém, sabia que ela existia. Pouco tempo depois, em uma manhã nublada de maré cheia, seu corpo foi encontrado.

  Quando sua depressão chegou ao máximo, Michael não mais saia de casa. Passava o dia no quarto que dividia com seu irmão e lutava contra a própria mente para descobrir o que ocasionara a morte deste, sem falar na tentativa de encontrar uma explicativa para as visões do falecido. Não acreditava que seu irmão teria ficado louco, ou pior, não queria acreditar, pois, talvez, aquela fosse a infeliz verdade.

  Uma noite, aproximadamente às 23:00, quando todos da residência estavam dormindo e mais nada podia-se ouvir além do agradável barulho das ondas do mar, Michael despertou de um breve sono e não mais conseguiu dormir. Levantou-se da cama, vestiu um casaco, sentou-se na escrivaninha de madeira, pegou um pedaço de pergaminho e pena e pôs-se a escrever seu diário noturno. De repente, o garoto escutou um som agradável, mas estranho, vindo do lado de fora da casa. Quando se aproximou da janela para ver o que havia emitido aquele som, Michael não pôde acreditar: Lá estava a tal garota que hora era fruto da imaginação de seu falecido gêmeo. Os cabelos castanhos, a aparência jovem e delicada e a voz daquela senhorita logo encantaram também os olhos e a mente daquele pobre rapaz. 

  Logo, Michael também se obcecou por aquela bela moça que sempre cantava-lhe uma música sobre um velho pirata que havia perdido seu único e verdadeiro amor  e não era um navio cheio de ouro e rum, mas sua esposa.  Todas as noites, o pobre rapaz era seduzido por aquela criatura humana que passava lá por perto e sua timidez, assim como a de seu irmão, o impossibilitava de descer e falar com ela. Com o passar dos dias, porém, sua obsessão tornou-se maior, chegando ao ponto de ficar completamente alucinado pela garota.

  Quando uma noite de Lua cheia e maré alta caiu, Michael estava parado, em frente a janela de seu quarto, esperando a misteriosa garota surgir do nada e cantar-lhe mais uma canção. Quando ela finalmente surgiu do meio do oceano, o rapaz pôde perceber o que ela realmente era: Uma criatura do mar, meio humana, meio peixe... uma sereia! Michael não ficou assustado quando viu a barbatana verde da moça transformar-se em pernas, ao chegar à praia, porém ainda maravilhado ao extremo. Ao olhar aquela belíssima criatura iniciar seu canto, o rapaz, que já não tinha mais o controle sobre si, aproximou-se cada vez mais da janela aberta, para enfim encontrar-se com a senhorita. Não percebeu ele que tal ato lhe proporcionaria uma queda de 5 andares, resultando em uma morte semelhante da que seu irmão gêmeo tivera. Quando a música ficou mais alta e a aproximação de Michael para a morte certa maior, felizmente, ouviu-se o som do sinal de um navio que lá perto desembarcava. O soar do sino da embarcação fizera Michael acordar e a sereia pular de volta para o oceano, assustada. 


Continua...





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