Ernest acordou com um
impulso ocasionado por um sonho. Não um sonho qualquer, mas aqueles em que a
pessoa está tranquilamente caminhando e, sem mais nem menos, cai de uma altura
relativamente alta fazendo-a acordar no momento exato em que seu corpo encontra-se
com o solo, ocasionando, assim, a morte seguida do despertar.
Ainda assustado com
o pesadelo mortal, o rapaz, ainda sentado na poltrona em frente à lareira na
sala de estar da sua residência, sentiu um repentino e desconfortável calor
tomar conta de seu corpo; uma sensação realmente quente, como se naquela
poltrona, onde se encontrava sentado, existisse alguma coisa que estivesse
liberando tal calor. Apesar do abafado que sentia dentro de si, Ernest não suava,
tampouco sentiu a pela quente quando tocou as próprias mãos. Ao se levantar,
percebeu uma leve melhora térmica, porém, o ambiente ao seu redor ainda não lhe
parecia confortável.
A sala de estar
estava em completa escuridão, e Ernest não lembrava-se de ter apagado todas as
luzes antes de cochilar na poltrona; nem mesmo recordava de como havia chegado
lá e o que fizera antes de dormir. Confuso e sem saber no que pensar, o rapaz
virou-se para trás para observar se a luz da cozinha estava acesa e, ao fazer,
deparou-se com uma estranha sombra no exato local onde estava sentado há poucos
minutos. Ao observar aquela estranha figura negra, Ernest deu um salto para
trás e quase emitiu um grito devido ao susto que tivera. Pensou que aquela
sombra estivesse envolvida com o calor que sentiu quando despertou do sono.
Como se aquilo não bastasse, o rapaz, ainda com os olhos vidrados na figura que
lhe atormentava, percebeu um forte feixe de luz, vindo da sua direita.
Ainda sentado no
chão, sem nada em mente que explicasse aqueles acontecimentos, Ernest procurou
se levantar para acender as luzes e, assim que percebeu mais dois flashs de luz
extremamente fortes, seguidos de ruídos e estranhas vozes, tomou cada vez mais
forças para correr e procurar o interruptor mais próximo e quando finalmente encontrou
o que acendia as luzes da sala de estar, clicou. Enfim, o ambiente tornou-se
claro, o que, para Ernest, já era um alívio. De repente, inúmeros feixes de
luz, parecidos com os 3 anteriores, vieram em sua direção, como um enxame de
abelhas que ataca alguém que rouba o mel. A claridade e o som que se propagava
nas paredes fechadas do local tornavam-se infernais, deixando Ernest em total
desespero. Os últimos flashs foram tão violentos que fizeram o garoto cair para
trás, fazendo derrubar objetos que enfeitavam uma estante que quase fora também
derrubada com a força do corpo de Ernest. O rapaz sentiu vontade de chorar, mas
nenhuma lágrima lhe escorreu dos olhos.
Sentado ao chão,
esperando que o pior pudesse acontecer a qualquer momento, Ernest percebeu que
ao lado havia um porta-retratos caído. O garoto decidiu pegar para ver que foto
lá havia, mas não estava conseguindo encostar os dedos no objeto. De tão
desnorteado que se encontrava o rapaz, não percebeu ele que sua mão estava
praticamente atravessando o porta-retratos. Ainda sem entender o que estava
acontecendo com suas mãos, Ernest tentou novamente pegar o objeto, até
finalmente conseguir. Só foi o tempo de observar brevemente a imagem de um
casal com um jovem recém-formado em uma Universidade de Artes Cênicas, até o
porta-retratos atravessar sua mão e cair. O rapaz, então, percebeu que conhecia
aquelas pessoas da foto, principalmente o adolescente que entraria para a
faculdade, mas não se lembrava de onde. Foi então que Ernest se perguntou o que
aquela imagem estava fazendo na sua casa, que lugar era aquele em que estava
(apesar de ter certeza absoluta de que era sua residência), o que aconteceu antes
de ele ter ido cochilar na poltrona da sala de estar e, principalmente, o que
eram aqueles fenômenos paranormais que estavam acontecendo na casa e, agora,
com sua pessoa. Ao lado da estante que o garoto quase derrubara, havia um
espelho, onde Ernest, ao tentar se levantar, deparou-se com imagens que não
estavam presentes no local onde se encontrava. O espelho não mostrava seu
rosto, e sim a casa e pessoas que não estavam presentes naquele momento.
Ernest pôde ver dois
jovens com duas câmeras profissionais nas mãos e seus demais equipamentos de
fotografia, um homem barbudo de óculos, sentado em sua poltrona, mexendo em
estranhos equipamentos de som e um notebook, uma senhora já idosa sentada à
mesa de jantar com os mais peculiares materiais, como: termômetros, gravadores,
câmeras que pareciam infravermelhas, entre outros. Por último, Ernest notou
que, também sentados à mesa de jantar, estava o casal que vira na fotografia,
mas sem o filho. O homem e a mulher, ambos com semblante de tristeza no rosto,
o que deixou Ernest um tanto angustiado, conversavam com a senhora idosa. Não
ousando olhar para trás, até pelo fato de agora ver apenas uma neblina branca
tomar conta da sala, o rapaz, sem dar importância ao novo fenômeno, aproximou-se
do espelho para tentar ouvir o que era refletido.
- Sim, ele está aqui entre nós. – Disse a velhinha. – Ele sempre
esteve nessa casa, desde o momento de sua partida.
O casal começara a
chorar. A senhora acariciou as mãos do homem e da mulher, a fim de consolá-los,
até o homem barbudo entrar na conversa:
- Acredito que o filho de vocês sempre teve uma forte
ligação com a casa. Creio eu ele ter nascido aqui, certo?
- Sim. – Respondeu a mulher.
- E também faleceu aqui. – Afirmou o barbudo de óculos. –
Espíritos como o dele tendem à passar um tempo nos lugares que marcaram sua, ou,
até mesmo, para o local de sua morte. Por essa razão, acredito que todos os
hospitais do mundo são assombrados. - Completou rindo, como se tivesse contado
uma piada sem graça.
Ao perceber o olhar
de desaprovação da velhinha, o barbudo completou:
- Bem, o filho de vocês, como nasceu e morreu, além, claro, de
ter passado grande parte de sua vida aqui, assombrará essa residência por um
longo tempo, até encontrar o caminho para o outro lado.
- Está me dizendo, então, que o espírito de Ernest não
encontrou a paz? – Perguntou o homem, abraçado a sua esposa.
- Exatamente. – Concluiu o pesquisador barbudo. – O confesso
que senti, até demais, a presença dele, quando passei a me sentar em sua
poltrona. Ele também estava lá, pois senti como se meu corpo estivesse congelando.
- Então, os objetos caídos, a luz se acendendo sozinha e
tudo mais, foram obras dele? – Perguntou a mãe de Ernest. – Não há mais
ninguém, nenhum outro espírito.
- Sempre há espíritos, senhora. Porém, aqueles que não
encontram o caminho para o além da vida, permanecem aqui. Seu filho é o único
espírito perdido dessa casa. Só espero que um dia ele consiga encontrar a paz. Pois
bem, querem que eu mostre os registros fotográficos?
- Sim, queremos ver. – Respondeu o pai.
- Me acompanhem, então.
Com o que havia visto
através do espelho, Ernest tornou a lembrar-se o que lhe havia acontecido, como
a corda lhe havia apertado fortemente o pescoço e o sufocado até a morte,
quando a vida no mundo das artes subiu-lhe a cabeça da pior maneira. Lembrava-se,
então, que aquele jovem rapaz recém formando da foto não teria um destino
feliz, muito menos um final digno ou natural, como as coisas devem ser. O rapaz
voltou a ter consciência de que uma alma perdida, como a sua, tende a não
lembrar suas condições atuais ou nem mesmo aceita a própria morte.
Ao deixar de olhar o
que acontecia no mundo dos vivos pelo espelho, o rapaz virou-se de costas e
percebeu a névoa que havia tomado conta do ambiente desaparecido. Estava Ernest
agora na sala de estar de sua casa, observando os experimentos paranormais que
aconteciam no local, a fim de de obter contato com seu espírito; o garoto podia ver todos
que estavam sendo refletidos no espelho, agora a sua frente: a idosa espírita,
os dois rapazes dos equipamentos de imagem e som e o cientista barbudo que
estava mostrando alguns registros feitos durante a atividade para os seus pais.
Obviamente, nenhuma dessas pessoas poderia vê-lo, mas senti-lo se seu espírito
atingisse um estado de fúria.
Tudo que a pobre alma
de Ernest sentia, porém, não era mais incerteza ou perdição, mas nada além de
arrependimento. Arrependimento de ter sido tão egoísta a ponto de romper com a
naturalidade da vida e abandonar pessoas que lhe amavam, fazendo-as sofrer uma
dor maior da que seu corpo sentiu ao entrar em óbito. Ao ser aproximar de seus
pais, enquanto estes observavam as fotografias capturadas durante a sessão, que
mostravam nevoeiros ora esbranquiçados, ora negros, Ernest percebeu o quanto
eles observavam tristemente, sem um pingo de medo ou desconforto, os registros.
Mais uma vez, o rapaz sentiu o incomodante calor vivo e resolveu se afastar,
pois a frieza de seu espírito o denunciaria. Resolveu, então, não fazer mais nada
além de vagar na sua prisão, já que a vida eterna por ele não fora concedida e estava
bem distante do garoto encontrar.
Ernest também
lembrou de que seu maior terror não era esquecer de que estava morto e logo
depois voltar a ser lembrar; até mesmo presenciar experiências estranhas
causadas pelos vivos estava longe de ser sua maior aflição; mas o que lhe feria
os sentimentos, que, mesmo após a morte, ainda era capaz de sentir, era
observar todos os dias seu pai e sua mãe derramarem lágrimas por sua causa.
- O que foi que eu fiz?! – Disse Ernest, levando as mãos ao
rosto.
Adorei o conto!
ResponderExcluirMas,desenvolveria mais essas possibilidades de o que seria esse outro lado.
Porém,a conclusão foi emocionante!
Parabéns!