Malévola sempre foi
uma das vilãs (ou, talvez A Vilã) mais respeitadas, temidas e veneradas da
Disney. Uma personagem macabra, de rosto angelical, cornos de demônio e uma
maldade incondicional são marcas registradas da icônica antagonista de A Bela Adormecida. O Clássico-Disney de
1959 inovou ao mostrar pela primeira vez uma vilã carismática que fosse aceita
pelo público e que definitivamente roubasse a cena, deixando a protagonista e
os coadjuvantes no chinelo.
Nada mais justo que a
tão venerada vilã ganhasse um longa-metragem próprio, onde contasse suas
origens e sua história ao redor do conto da Princesa Aurora. O filme, Malévola (Maleficent), mostra exatamente
isso: como a personagem tornou-se a antagonista que todos conhecemos e sua
visão a respeito da história da Bela Adormecida. Tal proposta já virou “mania”
dos estúdios Disney; como podemos observar em filmes do mesmo estilo, como o
aceitável Alice no País das Maravilhas,
de Tim Burton, e o esquecível Oz: Mágico
e Poderoso, de Sam Raimi. Ao contrário do que muitos pensam, não acho que
tais filmes sejam realizados para arrecadar lucro ao estúdio e envergonhar os
clássicos. Apesar de não ter apreciado a versão do Raimi de o Mágico de Oz,
compreendo que a intenção do diretor era fazer uma espécie de prelúdio misturando
elementos da obra clássica com novos; Tim Burton fez, mais ou menos, a mesma
coisa em Alice, quando resolveu contar a história após os acontecimentos ocorridos
no livro de Lewis Carroll e na animação de 1951. Ambos os longas, com boas
propostas, pecam pela falta de desenvolvimento e responsabilidade de seus
realizadores para com a clássica obra que estão mexendo. O mesmo erro por trás
de um grande acerto se encontra em Malévola,
infelizmente. Digo “infelizmente”, pois eu realmente esperava muito mais de um
filme que prometia ser um dos melhores da temporada, até pela repercussão lá
fora e o sucesso que está garantindo. Não que o longa seja ruim, pelo
contrário, mas ressaltarei aqui os verdadeiros motivos que explicarão tal “infelizmente”.
Como já fora dito, o
filme mostra a história não contada da famosa vilã da Disney, da sua feliz
infância, em um reino encantado longe dos humanos, que tinham uma rixa com os
habitantes de tal lugar, até um determinado acontecimento em sua vida envolvendo
a ilusão do “amor verdadeiro”, o que torna Malévola a personagem que todos
conhecemos. Assim, Malévola, que de fada passou a ser uma bruxa, para se vingar
de tal acontecimento que tanto lhe atordoou no passado, roga uma maldição na
princesa recém-nascida, Aurora, filha do homem que lhe partiu o coração e as
asas (sim, Malévola tem asas!) antes de virar rei.
O longa já começa
bem, ao explorar a origem da personagem e o porquê de sua perversidade, além
de, por se tratar de uma versão modificada da história conhecida, mostrar como
um personagem que ninguém dava importância fora essencial para o desenrolar da
trama, o futuro Rei Stefan. De fato, a relação entre Stefan e Malévola é bem explorada
no começo, o que merecia ter mais destaque no meio para o fim do filme e usado
como elemento para intensificar a maldade da personagem principal, o que boa
parte do público com certeza esperava, mas, infelizmente, não aconteceu. A
Disney preferiu explorar um lado mais “humano”, ou até mesmo bondoso, de
Malévola, quando chega o segundo ato do longa-metragem que mostra a vilã
praticamente cuidando da Princesa Aurora quando esta é mandada pelo Rei para as
3 fadas que iriam protegê-la; sendo as fadinhas inexperientes (e até mesmo
irritantes, estando mais voltadas para uma versão sem graça dos Três Patetas)
em matéria de cuidar de crianças, foi Malévola que, secretamente e com ajuda de
seu corvo, Diaval, tornou-se a “Fada Madrinha” da Princesa, a fim de esta
alcançasse os 16 anos e a maldição se concretizasse. Porém, Aurora, já aos 16
anos, descobre sua “Fada Madrinha”, passando, assim, a venerar Malévola e a
media que a vilã convive com a princesa que tanto odiava, descobre que talvez
fosse ela a chave para a sua felicidade e para a paz no reino em que vivia,
afastado dos humanos. É a partir da escolha pouco inteligente de explorar a relação
entre Malévola e Aurora, em vez da vilã e Stefan (o que arrecadaria, com
certeza, mais momentos de ódio, tristeza e motivos para que a personagem
tornar-se cada vez mais perigosa), que o filme passa a se desenvolver. Novamente,
o estúdio usa a ideia de criar uma personagem feminina forte, assim como vimos
em “Valente” e “Frozen”, que demostram uma nova, porém verdadeira, prova de
amor, o que quebra o clichê do “beijo do amor verdadeiro” para dar um final
feliz à história.
Tal prova de amor
verdadeiro entre duas mulheres se repete em Malévola,
o que faz parecer que a Disney está utilizando a quebra de clichê para criar um
novo. Porém, sendo esta proposta nova, ainda pode ser usada em muitos filmes,
mas não em todos. Há limites que, para o bem da qualidade dos futuros longas do
estúdios (mesmo que esses arrecadam milhões em bilheteria), devem ser
respeitados. Malévola podia ter sido
um filme diferente dos demais e tinha tudo para ser, mas, justamente por causa
da nova ideia do estúdio (que funcionou tão bem nas duas animações antes
mencionadas), acabou se perdendo na mesmice do “Padrão Disney”. No início do
texto, mencionei que Malévola sempre fora uma das vilãs mais temidas e
veneradas das animações clássicas, e era justamente isso que o público que tem “A
Bela Adormecida” como um marco na infância espera da personagem no filme de
2014. Claro que, por ser uma versão modificada da história original, a bruxa
teria de ser diferente, mas tal mudança fora tão drástica e desnecessária que
acabou sendo o maior erro do novo longa-metragem. Já passou da hora da Disney
deixar de lado a temática “felizes para sempre”, em filmes live-action, até
pelo fato destes não serem direcionados ao público infantil. Não só eu como
muita gente esperava ver um filme totalmente da personagem do mal, onde seus
atos prevaleceriam até o final, o que daria o filme o privilégio de mostrar
algo novo: um vilão finalmente vencendo; apesar de em Malévola a personagem principal “vencer”, de certa forma.
A partir da análise
do último parágrafo, já se pode notar que a Malévola do longa-metragem de Robert
Stromberg é totalmente diferente da vilã da animação de 1959. Portanto, nada de
bruxa maligna, com frases de efeito, risada maléfica, entre outras das diversas
qualidades da icônica personagem do filme de Clyde Geronimi na Malévola da
Angelina Jolie. Ei, mas isso não é uma crítica negativa contra a diviníssima
atriz! Jolie, apesar de pouco apresentar da personagem clássica, a não ser pela
aparência física (ressalto logo que a caracterização de Angelina está
formidável), consegue criar uma Malévola própria, isto é, dar uma nova vida a
uma personagem imortal, por assim dizer. Sim, a infidelidade “espiritual” de
Malévola incomoda a quem venera a vilã do desenho animado (incomodou a mim),
mas, não se pode negar que Angelina cumpriu o que havia prometido nos trailers
e demais divulgações do filme: roubar definitivamente a cena, da melhor, à pior
(que, por ela estar presente, tenta não parecer tão ruim). Talvez, o único
personagem que também consegue agradar e ser bem explorado é o Rei Stefan,
interpretado pelo ótimo ator sul-africano Sharlto Copley (Distrito 9, Elysium) que
consegue interpretar sem dificuldades um governante enlouquecido pela obsessão
de se livrar da bruxa que rogou uma praga na sua filha. Falando nela, a atriz
Elle Fanning é, de fato, bela, mas parece adormecida em todo o filme; “adormecida”
no sentido de fazer absolutamente nada, somente achar tudo lindo e maravilhoso
e servir de desculpa para a tal rendição de Malévola. Outras personagens que,
infelizmente, não me fizeram engolir e que podiam ser muito bem descartadas do
filme são as fadas Flittle, Knotgrass e Thistletwit, interpretadas
respectivamente por Lesley Manville, Imelda Staunton e Juno Temple, cujas cenas
de comédia pastelão podiam ter sido muito bem trocadas por elementos que
completassem a história e não atrapalhassem. Como se não bastasse o mau uso das
fadinhas, que são praticamente as personagens principais na animação de 1959,
surge o Príncipe Phillip (Brenton Thwaites), que foi usado para servir como
desculpa para que o clichê do “beijo do amor verdadeiro” não acontecesse; a
cena desta passagem é cômica e até bem bolada, mas usar um dos personagens, do
filme clássico, mais importantes somente para isso, além da falta de carisma de
Thwaites, não convence.
Robert Stromberg
marcou em Malévola sua estreia como diretor.
O cineasta fora responsável pelos efeitos visuais de longas-metragens
visualmente lindos, como Avatar, de
James Cameron, Alice no País das
Maravilhas (Burton), Oz: Mágico e
Poderoso (Raimi), entre outros. Claro que seu primeiro projeto na direção não
sairia revestido em ouro, até pelo fato de o diretor não ser o único
responsável pelas escorregadas do filme, pois a culpa disso também deve ser
atribuída ao roteiro rápido e pouco empolgante de Linda Woolverton, que já
trabalhou em animações consagradas da Disney: A Bela e a Fera e O Rei Leão.
O que livra o filme do eterno perigo é, além das Atuações de Angelina Jolie e
Sharlto Copley, é a sua técnica. O que mais me chamou atenção, além dos belos
efeitos-visuais, foi a fotografia de Dean Semler, que consegue explorar e
distribuir com maestria os visuais sombrios e claros a determinados momentos do
longa. Outros importantes pontos dos
recursos técnicos de Malévola são a
maquiagem e o figurino, dignos para filmes do gênero, além da direção de arte
exímia, que nem precisa de exaltados comentários, apenas apreciação.
Porém, apesar da
bela técnica e baseando-me no que falei antes, a pressa é, deveras, inimiga da
perfeição. Malévola peca por alterar
desnecessariamente pontos que dariam mais do que certo em uma versão
live-action, em busca do rompimento com o antigo clichê existente na Disney,
mas isso só fez o estúdio provar que tal quebra, que está sendo usada
constantemente (pelo que vimos nos últimos filmes), pode tornar-se um novo e
perigoso clichê. Portanto, se a Disney visasse realmente à qualidade de
conteúdo de um filme, e não os montes de dinheiro arrecadados, saberia usar a
nova temática de maneira correta, sem que esta começasse a chatear e distorcer
verdadeiros clássicos. Só para deixar claro, nada tenho contra as novas versões criadas pelo estúdio, apenas não entendo como uma boa história ainda não foi (re)contada.
Malévola (Maleficent)
Direção: Robert Stromberg
Produção: Joe Roth
Roteiro: Linda Woolverton, baseado em “A Bela Adormecida”
(Walt Disney) e “La Belle au bois dormant” (Charles Perrault)
Trilha Sonora: James Newton Howard
Elenco: Angelina Jolie, Sharlto Copley, Elle Fanning, Imelda
Staunton, Juno Temple, Lesley Manville, Sam Riley, Brenton Thwaites, entre
outros.
EUA, 2014 – 1h 37 minutos
Nota: 6/10
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