sábado, 7 de junho de 2014

Malévola: Crírica

 Malévola sempre foi uma das vilãs (ou, talvez A Vilã) mais respeitadas, temidas e veneradas da Disney. Uma personagem macabra, de rosto angelical, cornos de demônio e uma maldade incondicional são marcas registradas da icônica antagonista de A Bela Adormecida. O Clássico-Disney de 1959 inovou ao mostrar pela primeira vez uma vilã carismática que fosse aceita pelo público e que definitivamente roubasse a cena, deixando a protagonista e os coadjuvantes no chinelo.

 Nada mais justo que a tão venerada vilã ganhasse um longa-metragem próprio, onde contasse suas origens e sua história ao redor do conto da Princesa Aurora. O filme, Malévola (Maleficent), mostra exatamente isso: como a personagem tornou-se a antagonista que todos conhecemos e sua visão a respeito da história da Bela Adormecida. Tal proposta já virou “mania” dos estúdios Disney; como podemos observar em filmes do mesmo estilo, como o aceitável Alice no País das Maravilhas, de Tim Burton, e o esquecível Oz: Mágico e Poderoso, de Sam Raimi. Ao contrário do que muitos pensam, não acho que tais filmes sejam realizados para arrecadar lucro ao estúdio e envergonhar os clássicos. Apesar de não ter apreciado a versão do Raimi de o Mágico de Oz, compreendo que a intenção do diretor era fazer uma espécie de prelúdio misturando elementos da obra clássica com novos; Tim Burton fez, mais ou menos, a mesma coisa em Alice, quando resolveu contar a história após os acontecimentos ocorridos no livro de Lewis Carroll e na animação de 1951. Ambos os longas, com boas propostas, pecam pela falta de desenvolvimento e responsabilidade de seus realizadores para com a clássica obra que estão mexendo. O mesmo erro por trás de um grande acerto se encontra em Malévola, infelizmente. Digo “infelizmente”, pois eu realmente esperava muito mais de um filme que prometia ser um dos melhores da temporada, até pela repercussão lá fora e o sucesso que está garantindo. Não que o longa seja ruim, pelo contrário, mas ressaltarei aqui os verdadeiros motivos que explicarão tal “infelizmente”.

 Como já fora dito, o filme mostra a história não contada da famosa vilã da Disney, da sua feliz infância, em um reino encantado longe dos humanos, que tinham uma rixa com os habitantes de tal lugar, até um determinado acontecimento em sua vida envolvendo a ilusão do “amor verdadeiro”, o que torna Malévola a personagem que todos conhecemos. Assim, Malévola, que de fada passou a ser uma bruxa, para se vingar de tal acontecimento que tanto lhe atordoou no passado, roga uma maldição na princesa recém-nascida, Aurora, filha do homem que lhe partiu o coração e as asas (sim, Malévola tem asas!) antes de virar rei.

  O longa já começa bem, ao explorar a origem da personagem e o porquê de sua perversidade, além de, por se tratar de uma versão modificada da história conhecida, mostrar como um personagem que ninguém dava importância fora essencial para o desenrolar da trama, o futuro Rei Stefan. De fato, a relação entre Stefan e Malévola é bem explorada no começo, o que merecia ter mais destaque no meio para o fim do filme e usado como elemento para intensificar a maldade da personagem principal, o que boa parte do público com certeza esperava, mas, infelizmente, não aconteceu. A Disney preferiu explorar um lado mais “humano”, ou até mesmo bondoso, de Malévola, quando chega o segundo ato do longa-metragem que mostra a vilã praticamente cuidando da Princesa Aurora quando esta é mandada pelo Rei para as 3 fadas que iriam protegê-la; sendo as fadinhas inexperientes (e até mesmo irritantes, estando mais voltadas para uma versão sem graça dos Três Patetas) em matéria de cuidar de crianças, foi Malévola que, secretamente e com ajuda de seu corvo, Diaval, tornou-se a “Fada Madrinha” da Princesa, a fim de esta alcançasse os 16 anos e a maldição se concretizasse. Porém, Aurora, já aos 16 anos, descobre sua “Fada Madrinha”, passando, assim, a venerar Malévola e a media que a vilã convive com a princesa que tanto odiava, descobre que talvez fosse ela a chave para a sua felicidade e para a paz no reino em que vivia, afastado dos humanos. É a partir da escolha pouco inteligente de explorar a relação entre Malévola e Aurora, em vez da vilã e Stefan (o que arrecadaria, com certeza, mais momentos de ódio, tristeza e motivos para que a personagem tornar-se cada vez mais perigosa), que o filme passa a se desenvolver. Novamente, o estúdio usa a ideia de criar uma personagem feminina forte, assim como vimos em “Valente” e “Frozen”, que demostram uma nova, porém verdadeira, prova de amor, o que quebra o clichê do “beijo do amor verdadeiro” para dar um final feliz à história.

  Tal prova de amor verdadeiro entre duas mulheres se repete em Malévola, o que faz parecer que a Disney está utilizando a quebra de clichê para criar um novo. Porém, sendo esta proposta nova, ainda pode ser usada em muitos filmes, mas não em todos. Há limites que, para o bem da qualidade dos futuros longas do estúdios (mesmo que esses arrecadam milhões em bilheteria), devem ser respeitados. Malévola podia ter sido um filme diferente dos demais e tinha tudo para ser, mas, justamente por causa da nova ideia do estúdio (que funcionou tão bem nas duas animações antes mencionadas), acabou se perdendo na mesmice do “Padrão Disney”. No início do texto, mencionei que Malévola sempre fora uma das vilãs mais temidas e veneradas das animações clássicas, e era justamente isso que o público que tem “A Bela Adormecida” como um marco na infância espera da personagem no filme de 2014. Claro que, por ser uma versão modificada da história original, a bruxa teria de ser diferente, mas tal mudança fora tão drástica e desnecessária que acabou sendo o maior erro do novo longa-metragem. Já passou da hora da Disney deixar de lado a temática “felizes para sempre”, em filmes live-action, até pelo fato destes não serem direcionados ao público infantil. Não só eu como muita gente esperava ver um filme totalmente da personagem do mal, onde seus atos prevaleceriam até o final, o que daria o filme o privilégio de mostrar algo novo: um vilão finalmente vencendo; apesar de em Malévola a personagem principal “vencer”, de certa forma.

  A partir da análise do último parágrafo, já se pode notar que a Malévola do longa-metragem de Robert Stromberg é totalmente diferente da vilã da animação de 1959. Portanto, nada de bruxa maligna, com frases de efeito, risada maléfica, entre outras das diversas qualidades da icônica personagem do filme de Clyde Geronimi na Malévola da Angelina Jolie. Ei, mas isso não é uma crítica negativa contra a diviníssima atriz! Jolie, apesar de pouco apresentar da personagem clássica, a não ser pela aparência física (ressalto logo que a caracterização de Angelina está formidável), consegue criar uma Malévola própria, isto é, dar uma nova vida a uma personagem imortal, por assim dizer. Sim, a infidelidade “espiritual” de Malévola incomoda a quem venera a vilã do desenho animado (incomodou a mim), mas, não se pode negar que Angelina cumpriu o que havia prometido nos trailers e demais divulgações do filme: roubar definitivamente a cena, da melhor, à pior (que, por ela estar presente, tenta não parecer tão ruim). Talvez, o único personagem que também consegue agradar e ser bem explorado é o Rei Stefan, interpretado pelo ótimo ator sul-africano Sharlto Copley (Distrito 9, Elysium) que consegue interpretar sem dificuldades um governante enlouquecido pela obsessão de se livrar da bruxa que rogou uma praga na sua filha. Falando nela, a atriz Elle Fanning é, de fato, bela, mas parece adormecida em todo o filme; “adormecida” no sentido de fazer absolutamente nada, somente achar tudo lindo e maravilhoso e servir de desculpa para a tal rendição de Malévola. Outras personagens que, infelizmente, não me fizeram engolir e que podiam ser muito bem descartadas do filme são as fadas Flittle, Knotgrass e Thistletwit, interpretadas respectivamente por Lesley Manville, Imelda Staunton e Juno Temple, cujas cenas de comédia pastelão podiam ter sido muito bem trocadas por elementos que completassem a história e não atrapalhassem. Como se não bastasse o mau uso das fadinhas, que são praticamente as personagens principais na animação de 1959, surge o Príncipe Phillip (Brenton Thwaites), que foi usado para servir como desculpa para que o clichê do “beijo do amor verdadeiro” não acontecesse; a cena desta passagem é cômica e até bem bolada, mas usar um dos personagens, do filme clássico, mais importantes somente para isso, além da falta de carisma de Thwaites, não convence.

  Robert Stromberg marcou em Malévola sua estreia como diretor. O cineasta fora responsável pelos efeitos visuais de longas-metragens visualmente lindos, como Avatar, de James Cameron, Alice no País das Maravilhas (Burton), Oz: Mágico e Poderoso (Raimi), entre outros. Claro que seu primeiro projeto na direção não sairia revestido em ouro, até pelo fato de o diretor não ser o único responsável pelas escorregadas do filme, pois a culpa disso também deve ser atribuída ao roteiro rápido e pouco empolgante de Linda Woolverton, que já trabalhou em animações consagradas da Disney: A Bela e a Fera e O Rei Leão. O que livra o filme do eterno perigo é, além das Atuações de Angelina Jolie e Sharlto Copley, é a sua técnica. O que mais me chamou atenção, além dos belos efeitos-visuais, foi a fotografia de Dean Semler, que consegue explorar e distribuir com maestria os visuais sombrios e claros a determinados momentos do longa.  Outros importantes pontos dos recursos técnicos de Malévola são a maquiagem e o figurino, dignos para filmes do gênero, além da direção de arte exímia, que nem precisa de exaltados comentários, apenas apreciação.

  Porém, apesar da bela técnica e baseando-me no que falei antes, a pressa é, deveras, inimiga da perfeição. Malévola peca por alterar desnecessariamente pontos que dariam mais do que certo em uma versão live-action, em busca do rompimento com o antigo clichê existente na Disney, mas isso só fez o estúdio provar que tal quebra, que está sendo usada constantemente (pelo que vimos nos últimos filmes), pode tornar-se um novo e perigoso clichê. Portanto, se a Disney visasse realmente à qualidade de conteúdo de um filme, e não os montes de dinheiro arrecadados, saberia usar a nova temática de maneira correta, sem que esta começasse a chatear e distorcer verdadeiros clássicos. Só para deixar claro, nada tenho contra as novas versões criadas pelo estúdio, apenas não entendo como uma boa história ainda não foi (re)contada. 
 
Malévola (Maleficent)
Direção: Robert Stromberg
Produção: Joe Roth
Roteiro: Linda Woolverton, baseado em “A Bela Adormecida” (Walt Disney) e “La Belle au bois dormant” (Charles Perrault)
Trilha Sonora: James Newton Howard
Elenco: Angelina Jolie, Sharlto Copley, Elle Fanning, Imelda Staunton, Juno Temple, Lesley Manville, Sam Riley, Brenton Thwaites, entre outros.
EUA, 2014 – 1h 37 minutos
Nota: 6/10


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