domingo, 28 de dezembro de 2014

Operação Big Hero - Crítica

2014 foi realmente grandioso para o cinema de animação. No primeiro mês do ano, fomos presenteados com o criativo e divertidíssimo “Uma Aventura Lego” (minha aposta para o Oscar de Melhor Filme de Animação); depois, choramos e nos emocionamos com “Como Treinar O Seu Dragão 2”, prova definitiva de que uma sequência, quando bem realizada, pode superar seu antecessor; em seguida, nos surpreendemos com os estranhos e divertidos “Os Boxtrolls” e “Festa no Céu”; e, no final do ano, esperávamos que uma tal animação anunciada pela Disney fechasse o ano de 2014 com chave de ouro, o que, de fato, aconteceu perfeitamente.

Operação Big Hero (Big Hero 6) é o primeiro longa-metragem animado da Disney/Marvel após a bilionária compra do estúdio sobre a famosa companhia de entretenimento. Baseado nas HQs criadas por Steven T. Seagle e Duncan Rouleau, em 1998, o filme mostra uma futurista cidade fictícia de San Fransóquio (uma mistura de San Francisco com Tóquio) onde Hiro Hamada, um jovem de 14 anos especialista em engenharia robótica, usa seus dons para criar máquinas em lutas ilegais de robôs, até seu irmão mais velho, Tadashi, convencê-lo a entrar na Universidade para construir um futuro melhor. Quando Hiro apresenta um bem sucedido projeto de “micro-robôs” que se movem através de um neurotransmissor também criado pelo garoto, este é finalmente aceito na instituição; mas, após um misterioso incêndio que mudará para sempre sua vida, cabe a Hiro, Baymax (robô médico criado pelo seu irmão) e seus amigos “nerds” acertarem as contas com o responsável.

 Mais uma vez, a Disney explora a relação fraternal em uma animação. Em Frozen – Uma Aventura Congelante, vimos um confronto existente entre as irmãs Elsa e Anna ser consertado pelo amor das duas. Não muito diferente do filme das princesas, Operação Big Hero aborda a relação entre irmãos como tema principal, porém de uma maneira totalmente diferente do primeiro filme citado. A adaptação da HQ da Marvel tem uma melhor profundidade no assunto, uma vez que o filme é destinado a um público mais maduro do que Frozen, por se tratar de perda, fúria, saudade e, como é de se esperar de um filme da “New-Disney”, uma forma de amor inusitada.

 É da perda de Hiro que surge sua amizade com o robô Baymax.  O personagem, como já fora citado antes, é um tipo de robô enfermeiro, que consegue diagnosticar tanto dores físicas quanto emocionais de seres humanos. O curioso design de Baymax (que nos quadrinhos a Marvel é uma espécie de monstro verde) se distancia de androides já conhecidos como os RoboCops ou Bumblebees da vida, felizmente; os criadores da animação optaram por usar um estilo “soft”, fazendo o robô do filme mais macio e fofo para, principalmente, cativar o público. O fato é o seguinte: até o mais gelado coração (não, isso não é uma referência a Frozen) irá se simpatizar com Baymax e até mesmo se emocionar com sua relação com Hiro. A amizade entre os personagens principais é uma das mais bem trabalhadas da Disney desde Woody e Buzz em Toy Story e é bastante notável um toque especial “Pixariano” em Operação Big Hero, principalmente no momento em que Baymax mostra a Hiro a tal forma de amor inusitada para amenizar a fúria do menino.


 O que torna Operação Big Hero uma animação da Disney tão divertida quanto outros sucessos da casa lançados nos últimos anos (Enrolados, Detona Ralph, etc) é, mais uma vez, seus personagens. Além de Hiro, Baymax e Tadashi, que são extremamente simpáticos, temos também outros nomes, alguns conhecidos nas HQs, como a durona GoGo Tomago, o histérico e nervoso Wasabi, a simpática e viciada em química Honey Lemon e o “mascote” brincalhão Fred. As habilidades das personagens são diferentes das mostradas nas HQs, mas é claro que, para uma adaptação cinematográfica animada, as mudanças ficaram muito bem encaixadas com a história do filme e com o seu desenrolar. O público pode se simpatizar tanto com as personagens que pode acontecer o fato de desejarmos mais aparições deles, como se fosse necessária uma sequência do filme para melhor explorar a história de cada um, além das habilidades. Mas, vamos aguardar, pois não acredito que a Disney fará apenas um filme baseado em Big Hero 6. 

O único pecado do filme talvez seja a escolha do vilão. O antagonista do filme não tem um destaque merecido como acontece em filmes baseados em quadrinhos da Marvel, nem mesmo uma motivação compreensível para causar tanto estrago. Apesar do plano do vilão não ser lá tão inteligente como boa parte do público espera, as sequências de ação com o personagem presente nelas são ótimas e de ritmo bem acelerado.  

 O roteiro do longa, escrito pelo quarteto Don Hall, Jordan Roberts, Duncan Rouleau e Steven T. Seagle não segue fielmente a HQ da Marvel, tampouco se importa com isso. Obviamente, fãs de histórias em quadrinhos que já leram Big Hero 6 podem não sentir um certo conforto ao ver o filme, mas estes devem compreender que o cinema é extremamente diferente da literatura, além do mais quando se trata de cinema de animação. Talvez o sucesso de Operação Big Hero se dê pelo fato de as HQs serem pouco conhecidas. A ideia de “infantilizar” a história da maneira Disney para o filme não estraga os personagens, muito pelo contrário, pois acredito que o estúdio conseguiu adaptar de maneira bastante inocente e bem estruturada a criação da Marvel dos anos 90 para os cinemas.

 Don Hall (O Ursinho Pooh) e Chis Williams (Bolt – O Supercão), diretores de Operação Big Hero, conseguem “inaugurar” a parceria Disney/Marvel de maneira maestral, com uma história que nos cativa, emociona, diverte e surpreende ao mesmo tempo. Talvez, o longa animado seja uma introdução do que o estúdio está preparando juntamente a sua Marvel  para os próximos anos, e deixo aqui bem claro que sequências de Operação Big Hero são muito bem vindas, mais do que animações de princesas ou carros falantes. Mais um ponto alto da animação é a dublagem brasileira que, apesar das controvérsias ocorridas primeiramente após a escolha da youtuber Kéfera Buchmann e do comediante Marcos Mion como dubladores de GoGo e Fred, está perfeitamente de acordo com o ritmo do filme. Sim, até os não profissionais de dublagem se saíram bem e não estragam a versão brasileira do filme como os Lucianos Hucks da vida. 

Aí vai uma dica: Não saia da sala antes dos créditos terminarem de subir quem for fã do Universo Marvel, pois uma pequena participação especial poderá provocar sérios ataques de riso em qualquer bom e velho coração nerd. Após a cena, aí sim vocês podem se despedir temporariamente do filme com um soco-bate seguido de um "trá-lá-lá-lá". 

Operação Big Hero (Big Hero 6) 
Direção: Don Hall e Chris Williams
Produção: Roy Conli, Kristina Reed e John Lasseter
Roteiro: Don Hall, Jordan Roberts, Duncan Rouleau, Steven T. Seagle
Trilha Sonora: Henry Jackman
Elenco: Ryan Potter, Daniel Henney, Jamie Chung, Scot Adsit, Génesis Rodríguez, Damon Wayans, T.J. Miller, entre outros.
EUA, 2014 - 1h 43 minutos

Nota: 8,5 

segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Tim Burton declara que Beetlejuice 2 está vindo aí!

Durante a divulgação de seu mais novo filme, Grandes Olhos (Big Eyes, 2014), o cineasta Tim Burton declarou em entrevista que a sequência do clássico Beetlejuice – Os Fantasmas Se Divertem (1988), considerado seu primeiro grande sucesso cinematográfico, está bem próximo para acontecer, finalmente!

"(Beetlejuice) é um personagem que eu amo e sinto falta, e também sinto falta de trabalhar com Michael (Keaton). Só existe um Beetlejuice. Nós estamos trabalhando em um roteiro e acho que está mais próximo do que nunca. Eu adoraria trabalhar com Michael de novo", declarou o diretor.

 O anúncio da sequência de Beetlejuice, em 2012, pegou muitos fãs de surpresa, levando em conta que Burton não gosta de realizar continuações de seus filmes. Beetlejuice 2 seria a primeira sequência do cineasta desde 1992, com Batman – O Retorno.

 O roteiro do novo filme, escrito por Seth Grahame-Smith, está pronto desde o anúncio da produção, há dois anos. Smith e David Katzeberg, ambos da KatzSmith Productions, serão os produtores e Tim Burton obviamente dirigirá seu “carismático” e “horripilante” personagem após quase 30 anos.

 Em novembro de 2013, foi dito que Winona Ryder também retornaria ao elenco, junto com Michael Keaton. A atriz comentou sobre o novo filme: "Não é um remake. Se passa 27 anos depois. Tenho que dizer, eu amo tanto Lydia (sua personagem no filme clássico). Ela foi muito importante para mim. Eu me interessaria muito em saber o que ela está fazendo 27 anos depois". Ainda não há, porém, uma confirmação exata da presença de Winona em Beetlejuice 2.


 Novas informações sobre a sequência de Beetlejuice serão divulgadas em breve. O novo filme de Tim Burton, Grandes Olhos, que está concorrendo a três prêmios Globo de Ouro (Melhor Ator, Melhor Atriz e Melhor Canção), chega aos cinemas brasileiros em fevereiro de 2015. 


Vamos logo, Burton! Estamos aguardando o novo filme!

sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Divertida Mente ganha novo trailer

Inside Out, o novo filme de animação dos estúdios da Pixar, traduzido para o português como Divertida Mente, ganhou um novo trailer que mostra melhor seus personagens.

Confira, abaixo, o trailer legendado do filme:



 Pete Docter, o consagrado diretor da casa responsável por Monstros S.A. e UP - Altas Aventuras, é o responsável por Divertida Mente, que tem estreia marcada para o dia 19 de junho nos EUA e 2 de julho no Brasil.
Inside Out 27gao2014 02

Globo de Ouro 2015 - Indicados

 Foi divulgada a lista com os indicados ao Globo de Ouro 2015. A premiação anual ira eleger os melhores filmes e séries de 2014.

Confira a lista, abaixo:

CINEMA

Melhor filme dramática
Boyhood
Foxcatcher: Uma História que Chocou o Mundo
O Jogo da Imitação
Selma
A Teoria de Tudo

Melhor atriz em filme dramático
Jennifer Aniston - Cake
Felicity Jones - A Teoria de Tudo
Julianne Moore - Para Sempre Alice
Rosamund Pike - Garota Exemplar
Resse Witherspoon – Livre

Melhor ator em filme dramático
Steve Carell - Foxcatcher: Uma História que Chocou o Mundo
Benedict Cumberbatch - O Jogo da Imitação
Jake Gyllenhaal - O Abutre
David Oyelowo - Selma
Eddie Redmayne - A Teoria de Tudo

Melhor filme cômico ou musical
Birdman
O Grande Hotel Budapeste
Caminhos da Floresta
Pride
Um Santo Vizinho (St. Vincent)

Melhor atriz em filme cômico ou musical
Amy Adams - Grandes Olhos
Emily Blunt - Caminhos da Floresta
Helen Mirren - A Cem Passos de um Sonho
Julianne Moore - Mapa para as Estrelas
Quvenzhané Wallis – Annie

Melhor ator em filme cômico ou musical
Ralph Fiennes - O Grande Budapeste Hotel
Michael Keaton - Birdman
Bill Murray - Um Santo Vizinho (St. Vincent)
Joaquin Phoenix - Vício Inerente
Christoph Waltz - Grandes Olhos

Melhor atriz coadjuvante
Patricia Arquette - Boyhood
Jessica Chastain - A Most Violent Year
Keira Knightley - O Jogo da Imitação
Emma Stone - Birdman
Meryl Streep - Caminhos da Floresta

Melhor ator coadjuvante
Robert Duvall - O Juiz
Ethan Hawke - Boyhood
Edward Norton - Birdman
Mark Ruffalo - Foxcatcher: Uma História que Chocou o Mundo
J.K. Simmons - Whiplash: Em Busca da Perfeição

Melhor diretor
Wes Anderson - O Grande Budapeste Hotel
Ava Duvernay - Selma
David Fincher - Garota Exemplar
Alejandro González Iñárritu - Birdman
Richard Linklater – Boyhood

Melhor roteiro
Wes Anderson - O Grande Hotel Budapeste
Gillian Flynn - Garota Exemplar
Alejandro González Iñárritu, Nicolás Giacobone, Alexander Dinelaris, Armando Bo - Birdman
Richard Linklater - Boyhood
Graham Moore - O Jogo da Imitação

Melhor filme em lingua estrangeira
Tangerines (Estônia)
Força Maior (Suécia)
Gett (Israel)
Ida (Polônia)
Leviatã (Rússia)

Melhor longa animado
Operação Big Hero
Festa no Céu
Os Boxtrolls
Como Treinar o Seu Dragão 2
Uma Aventura LEGO

Melhor trilha sonora original em filme
Alexandre Desplat - O Jogo da Imitação
Jóhann Jóhannsson - A Teoria de Tudo
Trent Reznor, Atticus Ross - Garota Exemplar
Antonio Sanchez - Birdman
Hans Zimmer – Interestelar

Melhor canção original em filme
"Big Eyes" - Grandes Olhos por Lana Del Ray
"Glory" - Selma por John Legend e Common
"Mercy Is" - Noé por Patty Smith e Lenny Kaye
"Opportunity" - Annie por Greg Kurstin, Sia Furler, Will Gluck
"Yellow Flicker Beat" - Jogos Vorazes: A Esperança - Parte 1 por Lorde

TV

Melhor série dramática
The Affair
Downton Abbey
Game of Thrones
The Good Wife
House of Cards

Melhor atriz em série dramática
Claire Danes - Homeland
Viola Davis - How to Get Away with Murder
Julianna Margulies - The Good Wife
Ruth Wilson - The Affair
Robin Wright - House of Cards

Melhor ator em série dramática
Clive Owen - The Knick
Liev Schreiber - Ray Donovan
Kevin Spacey - House of Cards
James Spader - The Blacklist
Dominic West - The Affair

Melhor série cômica ou musical
Girls
Jane the Virgin
Orange is the New Black
Silicon Valley
Transparent

Melhor atriz em série cômica ou musical
Lena Dunham - Girls
Edie Falco - Nurse Jackie
Gina Rodriguez - Jane the Virgin
Julia Louis-Dreyfus - Veep
Taylor Schilling - Orange is the New Black

Melhor ator em série cômica ou musical
Louis C.K. - Louie
Don Cheadle - House of Lies
Ricky Gervais - Derek
William H. Macy - Shameless
Jeffrey Tambor – Transparent

Melhor minissérie ou telefilme
Fargo
The Missing
The Normal Heart
Olive Kitteridge
True Detective

Melhor atriz em minissérie ou telefilme
Maggie Gyllenhaal - The Honorable Woman
Jessica Lange - American Horror Story: Freak Show
Frances McDormand - Olive Kitteridge
Frances O'Connor - The Missing
Allison Tolman – Fargo

Melhor ator em minissérie ou telefilme
Martin Freeman - Fargo
Woody Harrelson - True Detective
Matthew McConaughey - True Detective
Mark Ruffalo - The Normal Heart
Billy Bob Thornton – Fargo

Melhor atriz coadjuvante
Uzo Aduba - Orange is the New Black
Kathy Bates - American Horror Story: Freak Show
Joanne Froggat - Downton Abbey
Allison Janney - Mom
Michelle Monaghan - True Detective

Melhor ator coadjuvante
Matt Bomer - The Normal Heart
Alan Cumming - The Good Wife
Colin Hanks - Fargo
Bill Murray - Olive Kitteridge

Jon Voight - Ray Donovan

 O Globo de Ouro 2015 vai se transmitido simultaneamente nos EUA e Brasil pela TNT em 11 de janeiro, às 23h, com apresentação de Tina Fey e Amy Poehler.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Godzilla ganhará novo filme japonês

 Após 10 anos, o clássico monstro da cultura japonesa, Godzilla, ganhará um filme "made in home", desde Godzilla: Final Wars (Gojira: Fainaru uôzu), de 2004.

 O novo filme de Godzilla será realizado graças ao sucesso da versão americana de Gareth Edwards, que foi lançada este ano. A produtora Toho, responsável por diversos filmes do mostro, será encarregada de trazer a mítica criatura de volta às suas origens.

 Em comunicado oficial, a Toho afirmou que o contrato de licenciamento com a Legendary, responsável pela versão americana, não impedirá a produção do novo filme. A produtora também divulgou que o mostro será totalmente feito pelo computador.

 As filmagens do novo longa metragem, ainda sem título definido, começam no início 2015 e a previsão de estreia é para 2016. Já a sequência do filme de Edwards está marcada para chegar aos cinemas em 2018.



Godzilla, da Toho

sábado, 6 de dezembro de 2014

Conto: Cospele - Parte II

Para Jessica, que tem paciência para acompanhar meus contos desde sempre, com carinho.


 COSPELE - PARTE II

 “Agora sim, ela está mais bela do que nunca!”, pensava a insana mente de Luna enquanto a garota se encontrava de pé, ao lado do ensanguentado corpo já sem vida de Clara, segurando o bisturi cheio de sangue, pedaços de osso e miolos. “O fazer, agora?”, tornou a pensar. Por um momento, a garota chegou a não acreditar que havia cometido tamanha atrocidade, chorando por um arrependimento que passaria em questão de segundos. Após derramar falsas lágrimas suficientes, Luna retornou ao ponto de onde parou, voltando a pensar no que faria com Clara. Em vida, aquela gentil e inocente garota era uma famosa costume player da cidade, talvez uma das mais influentes, por isso que Luna reconheceu aquele rosto assim que dera de cara com ele pela primeira vez.

 Luna, então, finalmente chegou a um veredicto: se era Clara uma criatura humana que, em vida, fazia aquilo que sempre sonhara em fazer (fantásticos cosplays em eventos e festivais), além de possuir estrutura corpórea e pele mais belas que já viu, nada mais lógico e justo, de acordo com a mente de Luna, incorporar a “personagem” que acabara de matar. Sim, Luna havia decidido vestir-se, literalmente, da pobre Clara. Havia chegado a hora de colocar todos os seus treinamentos nas aulas de necropsia e no trabalho para deixar um cadáver “recém-empacotado” totalmente sem pele.

 Por sorte, o corpo já estava na ala de necropsia – seria uma enorme perda de tempo, ter que arrastá-lo até lá, se Clara tivesse sido morta em outra local -. Luna, então, ergueu Clara e colocou-a em cima da mesa cirúrgica. Quando começou o procedimento para retirar a pele da garota, o relógio marcava 22:15.
 A sala estava extremamente fria, o que tornava gelado os materiais metálicos que Luna usava para trabalhar na sua arte. Teve que esterilizar alguns, para facilitar o corte, com todo o cuidado possível para não torrar a pele de Clara. Percebeu, a garota, que o procedimento de retirar a pele por completo do cadáver não era não difícil, mas também não simples; Luna sentira diversão em fazer aquilo.

 Após horas e horas trabalhando em sua “roupa”, com as luvas e o avental sujos de sangue, morrendo de cansaço e ansiedade para ver o resultado, Luna havia terminado! Precisava apenas tirar o excesso de sangue e costurar algumas imperfeições, além de limpar toda a sujeira que havia sido feita na sala. Uma hora mais tarde, sua linda “fantasia” estava finalizada de vez; Luna fez questão de colocar nenhum tipo de substância química – éter, iodo, nem mesmo perfume – para afastar o cheiro da pele morta de Clara, considerado “natural”, pela garota.
 Luna, porém, esqueceu-se que o vigia dorminhoco sempre acordava às 3:15 da madrugada, hora que estava sendo marcada pelo relógio naquele exato momento, para fazer uma vistorias nas salas do instituto e se surpreendeu quando este abriu a porta da sala de necropsia deparando-se com seu trabalho “artístico”. A garota não teve outra escolha além de jogar uma caixa cheia de instrumentos cortantes em cima do trabalhador, que estava ainda sem entender que raios estava acontecendo, para distraí-lo e pegar o machado “para caso de incêndio” para dar logo um fim no intrometido. A machadada foi desferida no momento em que o homem corria em direção da garota, para imobilizá-la, exatamente no pescoço; o segurança não chegou a ser decapitado (não por completo), mas sua cabeça ficou metade afastada dos ombros. Luna não enxergava aquele novo defunto como belo e digno de se fazer algo com o corpo; decidiu, então, escondê-lo no freezer, junto com seus amigos. Talvez, um dia, o vigia pudesse se tornar um de seus amiguinhos.

 Mas, a garota lembrou-se que não mais precisava voltar para aquele lugar. Estava apaixonada. Não só apaixonada por aquele corpo perfeito, desprovido de pele, com os músculos e cartilagens à mostra, que estava à sua frente, mas também pela pessoa que estava prestes a se tornar. Aliás, devido ao ocorrido, tanto com Clara quando com o pobre vigia noturno, Luna precisaria se esconder. Mas, a preocupação de sua vida após a “estreia” de sua nova pessoa era o que menos lhe importava, no momento. A garota queria apenas voltar para casa pra se preparar para o evento um evento que, por incrível coincidência do destino, iria acontecer no final de semana. “O momento é esse!”, pensava constantemente Luna.


 Outra coisa complicada que a garota precisava urgentemente fazer era arranjar um jeito de levar o resto do corpo de Clara para casa. Para poder fazer isso, precisou “abater” a carne da falecida menina, para que esta coubesse no malão da universidade que acabara de esvaziar. Após abatido, o corpo, mole e escorregadio, coube na bagagem. Luna precisou limpar novamente a mesa, para não deixar (ainda mais) suspeitas de um crime artístico perfeito. 

 Era a hora de sair, finalmente! Chovia lá fora e Luna, que não havia levado guarda-chuva, cogitou até em usar sua nova “roupa” para proteger-se da água. Mas ela jamais deixaria um simples fenômeno pluvial tirar o cheiro original e único de corpo humano daquela diviníssima pele. Resolveu tomar um banho de chuva, então, e proteger o malão com um saco plástico gigante que havia encontrado nos armários do necrotério.

 Quando chegou o tão esperado fim de semana, Luna não poupou tempo para se arrumar e comparecer ao local onde aconteceria o evento de cultura pop mais importante de sua vida. Ao finalmente vestir-se da sua mais bela obra prima, sentiu uma certa energia extremamente positiva dentro de si, como se os anos de solidão, vergonha e convivência social apenas com pessoas mortas tivessem ficado para trás, como se sua vida estivesse realmente começando agora. Luna precisava bolar um nome para a “personagem” da qual estava vestida, apesar de este existir em nenhum anime, jogo, HQ, seriado ou filme. Diria, então, que era um cosplay literário, de uma obra antiga de terror que havia lido recentemente. O cheiro não mais incomodaria a quem chegasse perto, esperava Luna, e a consistência da pele estava em perfeitas condições.

 A garota já chegara pronta ao evento. À princípio, ficou um pouco acanhada, mas quando crianças e jovens surpresas com a realidade bárbara daquela fantasia, que mais parecia uma pele mutilada(o que realmente era) e cheia de sangue (o que na realidade era xarope de milho comestível, pois Luna jamais pensaria usar o sangue de Clara para outras pessoas não se sentirem “atraídas” também pelo cheiro). Quando chegou a hora do desfile, a multidão, que mesmo sem fazer ideia da origem daquela roupa tão realista, aplaudiu Luna de pé.

 Passados 6 meses desde aquele inesquecível evento, nunca mais se ouviu falar da mais nova cosplayer Luna Maria. Claro que, para não desperdiçar tanto talento, a garota precisou fazer novas roupas, isto é, de pessoas mais próximas, como seus pais e alguns vizinhos. O próximo festival, acontecerá dentro de 2 semanas. Será que Luna repetirá a dose, usando seu primeiro e mais amável cospele, ou inovará com outra barbárie que deixará a todos de queixo caído? 

terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Conto: Cospele (Parte I)

Para Jessica, que tem paciência para acompanhar meus contos desde sempre, com carinho.


COSPELE

Luna Maria é mais uma pobre pessoa de meus contos que perdera a razão por um motivo absurdo. A pobre jovem, estudante de medicina (mais precisamente anatomia humana), era apenas uma cidadã perdida e confusa, sem muitos amigos e fascinada com uma arte que havia acabado de descobrir a existência: Costume Players.

A garota era fascinada por cultura popular. Gostava de jogos, revistas em quadrinhos, animações japonesas, porém não possuía ninguém para compartilhar os gostos. Não tinha amigos vivos. O maior contato com seres humanos que Luna desfrutava, além dos familiares que pouco se importavam com sua existência (e provavelmente não se importariam com uma a ausência eterna da garota), era no necrotério em que trabalhava, nas noites de segunda à sexta. Sim, para Luna, uma amizade com pessoas vivas lhe causaria apenas sofrimento; ela não considerava os mortos capazes de ferir.

Às vezes, a jovem ficava fascinada com a beleza de alguns cadáveres. Em três anos de serviço no instituto de medicina legal de sua cidade, Luna percebeu que a maioria dos corpos que lá chegavam era de pessoas da sua idade, algumas bastante bonitas, tanto facial quanto estruturalmente; a garota observava com bastante atenção os mais perfeitos corpos, pois, afinal, era uma estudante de anatomia. Não se entristecia em ver tantos indivíduos que mal começaram a viver estendidos em refrigeradores e com etiquetas nos pés, mas sentia certa pena por causa de tanto desperdício.

 Alguns corpos possuíam tanta beleza, que a garota desejava aquilo para si. Em hipótese alguma, Luna Maria pensou em violar um dos cadáveres para roubá-los um olho, nariz ou qualquer outra parte do corpo. Pelo menos, não de um cadáver que jazia em seu trabalho.

 Certas noites, a moça imagina a vida além daquele prédio frio, de luz esverdeada e com odores de iodo e éter. Pensava se uma amizade com pessoas vivas realmente lhe causaria dor ou não. Era insegura. Sabia que, não só em sua cidade, mas nos quatro cantos do mundo, havia gente que compartilhava de seus gostos pela cultura pop, mas Luna jamais tentou contato com uma delas. Assim, em uma noite de solidão, a garota, antes de terminar todo o serviço para voltar pra casa, resolveu dar uma pausa e pesquisar a respeito de eventos de cultura pop, pois estava decidida de que iria para algum.

 “Ah! A quem estou querendo enganar?”, perguntava a garota a si própria. “Com certeza, eu vou desistir disso! Amanhã, a vontade passa.”, repetia mentalmente. Luna tinha uma mania, como muitos outros indivíduos da sua idade também possuem, de querer algo que inesperadamente chega a sua cabeça e, por fim, acabar desistindo, mas não esquecendo. Talvez. Nem mesmo a própria garota sabe. Esta resolveu, então, voltar aos seus afazeres, pois, assim como na maioria das noites, estava sozinha no necrotério com seus amiguinhos presuntos e estava na hora de recoloca-los no freezer.

 Após mais um fatídico dia de faculdade, Luna foi direto para seu tão “agradável” trabalho. Assim que terminou de bater o ponto e girar a maçaneta da porta de acesso à sala dos funcionários, deparou-se com uma garota extremamente familiar, ao lado de seu chefe. Não era uma menina comum, para Luna, que, aos seus olhos, além ter certeza que já havia visto, achou-a a única criatura viva realmente bela que já havia visto. De repete, lhe veio uma vontade de conhecer melhor aquela garota de longos cabelos loiros e ondulados, pele macia e clara e olhos tão verdes quanto à pedra que enfraquecia qualquer super homem, ou mulher.

 Enquanto seus olhos negros ainda estavam vidrados naqueles esverdeados, o franzino chefe das duas garotas interrompeu:

- Luna! Acorda, menina! Presta atenção no que eu tô falando. Não te contratei pra você ser uma morta que trata de outros mortos. É o seguinte, – continuou o homem. – essa aqui é a Clara, nova estagiária. Ela vai ficar hoje com você, no turno da noite, pra treinamento. Posso contar com você para ensiná-la sobre nosso trabalho?

 Luna ainda estava parada, perplexa com a beleza exterior daquela criatura viva que estava a sua frente, até que o chefe novamente lhe chamou atenção:

- Ô, menina! – Exclamou, estalando os dedos na frente do rosto da garota, que acordou. – Posso contar contigo ou não?!

- Pode, claro que pode! – Respondeu Luna involuntariamente, mesmo sem saber o que era pra ser feito.

- Muito bem. Clara, essa é a Luna, nossa... como posso dizer... estagiária? Não, ela está aqui há tanto tempo que já pode ser considerada “da casa”. A nossa Clara aqui também é estudante de anatomia.

- Olá! – Disse Clara, estendendo a mão para Luna. – Muito prazer!

 Sua voz era como o canto celestial de um anjo, que entrava em perfeita sincronia com os movimentos suaves de sua face.

 Quando finalmente o relógio bateu 18:00, o franzino chefe passou as últimas orientações e avisos para Luna e se despediu das duas jovens, que ficariam sozinhas durante uma longa madrugada. Quando enfim as garotas se encontravam sozinhas, com apenas companhia dos mortos do prédio – e do segurança dorminhoco que ficava no hall de entrada -, puderam conversar entre si (mesmo tendo Luna uma pequena dificuldade de se “comunicar” com os vivos). Clara, mais jovem e cheia de vida, era tão extrovertida que nada tinha a ver com a carreira que escolhera seguir.

- Ah! Estou no terceiro período do curso, ainda. – Respondeu Clara, quando Luna lhe perguntou sobre o curso de anatomia. – Resolvi me especializar na área de necropsia, pois, pode não parecer, mas é o que mais me atrai. – Completou a garota, sempre com um belo sorriso no rosto de dentes perfeitamente alinhados e brancos.

- O que você faz, além disso? – Perguntou Luna, ainda perplexa e com receios de falar.

- Bom... eu passo meu tempo livre com meus amigos, ou lendo, assistindo seriados e filmes, jogando. Ah, e fazendo preparativos para os meus cosplays que uso nos eventos de cultura pop.

 Quando Luna escutou aquilo, simplesmente gelou. A nova estagiária era uma cosplayer! Uma pessoa que faz aquilo que ela sempre sonhou em fazer estava, naquele exato momento, ao seu lado, dividindo o mesmo teto. A garota não conseguiu esconder as emoções, e logo soltou um grito.

 Clara, por outro lado, primeiramente estranhou a atitude de Luna de extrema surpresa, mas ficou feliz em saber que seu trabalho além da área de necropsia era reconhecido e venerado por sua colega. Foi aí que a menina teve a infeliz ideia de mostrar suas fotos de cosplay para a outra garota.

 Ao ver as diversas fotos dos mais belos e bem trabalhados cosplays no celular de sua mais nova colega, Luna simplesmente gelou. Não tirava o braço, com o pequeno aparelho eletrônico, da frente do rosto, nem mesmo piscava os olhos ou fechava a boca. Não sabia o que dizer, nem o que pensar, tampouco o que fazer para ter não apenas aquele talento invejável de Clara, mas também a garota somente para si. Por um momento, Luna escutou uma voz em sua mente dizendo-lhe que, finalmente, havia ela encontrado uma pessoa viva que valesse a pena. A garota, porém, contestou consigo mesma, alegando à sua própria mente que a paixão repentina que acabara de sentir por Clara se intensificaria se seu corpo estivesse desprovido de alma.

- Alô, Luna?! – Disse Clara, acenando para que sua colega pudesse voltar à razão. – Tá tudo bem?


- Sim! – Respondeu a garota, quando “acordou”. – Sim. Eu só fiquei maravilhada com seus trabalhos. Maravilhada até demais. 

Clara era, de fato, uma das cosplayers mais famosas dos eventos que aconteciam na cidade onde as meninas moravam. Quem a conhecia direito, sabia que a garota não poupava talento e gastos financeiros para investir nas roupas e acessórios das personagens que escolhia interpretar. Ela possuía duas coisas que Luna desesperadamente desejava: talento cosplayer e beleza externa. A pobre Clara nem mesmo sonhava em saber do perigo que estava correndo.

 Ao pegar de volta o celular, entregue por Luna, Clara foi até a sala dos empregados para buscar o seu caderno, pois acreditava que receberia as orientações sobre o trabalho e precisaria fazer algumas anotações. Luna não estava sabendo se conter mais, precisava dizer ou fazer algo para acabar de uma vez com aquela tortura mental ocasionada pelas “provocações” da nova estagiária, em sua cabeça. Quando Clara retornou com seu material de escrita, as duas jovens foram até a ala de dissecação dos corpos; lá, Luna começou a falar sobre os procedimentos, as normas de trabalho do local, mostrou os equipamentos, entre diversas outras coisas; no momento, a garota estava mais controlada, sentia aos poucos sua mente deixar de perturbar, por enquanto.


 Mas, quando Clara se encontrava distraída, anotando as diversas observações dadas por Luna, esta tornou sentir aquela manifestação que acontecia em sua mente, enquanto estava a observar aquela menina extremamente bela que estava à sua frente e, sem pensar duas vezes, decidiu de vez dar um basta naquele sentimento que lhe dominava. Da mesa de instrumentos, Luna pegou o mais amolado dos bisturis cirúrgicos e, sem mais nem menos, avançou contra Clara, que mal teve tempo de desviar o olhar do caderno para ver o que estava acontecendo, pois, quando o fez, já estava sem um dos olhos. Sem tempo para sentir dor, devido a rapidez do ataque, e sangrando litros e mais litros, a garota apenas sentiu algo quando o Luna desferiu o objeto cortante contra sua cabeça, perfurando-lhe o crânio.

Continua...