Para Jessica, que tem paciência para acompanhar meus
contos desde sempre, com carinho.
COSPELE - PARTE II
“Agora sim,
ela está mais bela do que nunca!”, pensava a insana mente de Luna enquanto a
garota se encontrava de pé, ao lado do ensanguentado corpo já sem vida de
Clara, segurando o bisturi cheio de sangue, pedaços de osso e miolos. “O fazer,
agora?”, tornou a pensar. Por um momento, a garota chegou a não acreditar que
havia cometido tamanha atrocidade, chorando por um arrependimento que passaria
em questão de segundos. Após derramar falsas lágrimas suficientes, Luna
retornou ao ponto de onde parou, voltando a pensar no que faria com Clara. Em
vida, aquela gentil e inocente garota era uma famosa costume player da cidade,
talvez uma das mais influentes, por isso que Luna reconheceu aquele rosto assim
que dera de cara com ele pela primeira vez.
Luna, então, finalmente chegou a um veredicto:
se era Clara uma criatura humana que, em vida, fazia aquilo que sempre sonhara
em fazer (fantásticos cosplays em eventos e festivais), além de possuir
estrutura corpórea e pele mais belas que já viu, nada mais lógico e justo, de
acordo com a mente de Luna, incorporar a “personagem” que acabara de matar. Sim,
Luna havia decidido vestir-se, literalmente, da pobre Clara. Havia chegado a
hora de colocar todos os seus treinamentos nas aulas de necropsia e no trabalho
para deixar um cadáver “recém-empacotado” totalmente sem pele.
Por sorte, o corpo já estava na ala de necropsia
– seria uma enorme perda de tempo, ter que arrastá-lo até lá, se Clara tivesse
sido morta em outra local -. Luna, então, ergueu Clara e colocou-a em cima da
mesa cirúrgica. Quando começou o procedimento para retirar a pele da garota, o
relógio marcava 22:15.
A sala estava extremamente fria, o que tornava
gelado os materiais metálicos que Luna usava para trabalhar na sua arte. Teve
que esterilizar alguns, para facilitar o corte, com todo o cuidado possível
para não torrar a pele de Clara. Percebeu, a garota, que o procedimento de
retirar a pele por completo do cadáver não era não difícil, mas também não
simples; Luna sentira diversão em fazer aquilo.
Após horas e horas trabalhando em sua “roupa”,
com as luvas e o avental sujos de sangue, morrendo de cansaço e ansiedade para
ver o resultado, Luna havia terminado! Precisava apenas tirar o excesso de
sangue e costurar algumas imperfeições, além de limpar toda a sujeira que havia
sido feita na sala. Uma hora mais tarde, sua linda “fantasia” estava finalizada
de vez; Luna fez questão de colocar nenhum tipo de substância química – éter,
iodo, nem mesmo perfume – para afastar o cheiro da pele morta de Clara,
considerado “natural”, pela garota.
Luna, porém, esqueceu-se que o vigia
dorminhoco sempre acordava às 3:15 da madrugada, hora que estava sendo marcada
pelo relógio naquele exato momento, para fazer uma vistorias nas salas do
instituto e se surpreendeu quando este abriu a porta da sala de necropsia
deparando-se com seu trabalho “artístico”. A garota não teve outra escolha além
de jogar uma caixa cheia de instrumentos cortantes em cima do trabalhador, que
estava ainda sem entender que raios estava acontecendo, para distraí-lo e pegar
o machado “para caso de incêndio” para dar logo um fim no intrometido. A
machadada foi desferida no momento em que o homem corria em direção da garota,
para imobilizá-la, exatamente no pescoço; o segurança não chegou a ser
decapitado (não por completo), mas sua cabeça ficou metade afastada dos ombros.
Luna não enxergava aquele novo defunto como belo e digno de se fazer algo com o
corpo; decidiu, então, escondê-lo no freezer, junto com seus amigos. Talvez, um
dia, o vigia pudesse se tornar um de seus amiguinhos.
Mas, a garota lembrou-se que não mais
precisava voltar para aquele lugar. Estava apaixonada. Não só apaixonada por
aquele corpo perfeito, desprovido de pele, com os músculos e cartilagens à
mostra, que estava à sua frente, mas também pela pessoa que estava prestes a se
tornar. Aliás, devido ao ocorrido, tanto com Clara quando com o pobre vigia
noturno, Luna precisaria se esconder. Mas, a preocupação de sua vida após a
“estreia” de sua nova pessoa era o que menos lhe importava, no momento. A
garota queria apenas voltar para casa pra se preparar para o evento um evento que,
por incrível coincidência do destino, iria acontecer no final de semana. “O
momento é esse!”, pensava constantemente Luna.
Outra coisa complicada que a garota precisava
urgentemente fazer era arranjar um jeito de levar o resto do corpo de Clara
para casa. Para poder fazer isso, precisou “abater” a carne da falecida menina,
para que esta coubesse no malão da universidade que acabara de esvaziar. Após
abatido, o corpo, mole e escorregadio, coube na bagagem. Luna precisou limpar
novamente a mesa, para não deixar (ainda mais) suspeitas de um crime artístico
perfeito.
Era a hora de sair, finalmente!
Chovia lá fora e Luna, que não havia levado guarda-chuva, cogitou até em usar
sua nova “roupa” para proteger-se da água. Mas ela jamais deixaria um simples fenômeno
pluvial tirar o cheiro original e único de corpo humano daquela diviníssima
pele. Resolveu tomar um banho de chuva, então, e proteger o malão com um saco
plástico gigante que havia encontrado nos armários do necrotério.
Quando chegou o tão esperado fim de semana,
Luna não poupou tempo para se arrumar e comparecer ao local onde aconteceria o
evento de cultura pop mais importante de sua vida. Ao finalmente vestir-se da
sua mais bela obra prima, sentiu uma certa energia extremamente positiva dentro
de si, como se os anos de solidão, vergonha e convivência social apenas com
pessoas mortas tivessem ficado para trás, como se sua vida estivesse realmente
começando agora. Luna precisava bolar um nome para a “personagem” da qual estava
vestida, apesar de este existir em nenhum anime, jogo, HQ, seriado ou filme.
Diria, então, que era um cosplay literário, de uma obra antiga de terror que
havia lido recentemente. O cheiro não mais incomodaria a quem chegasse perto,
esperava Luna, e a consistência da pele estava em perfeitas condições.
A garota já chegara pronta ao evento. À princípio,
ficou um pouco acanhada, mas quando crianças e jovens surpresas com a realidade
bárbara daquela fantasia, que mais parecia uma pele mutilada(o que realmente
era) e cheia de sangue (o que na realidade era xarope de milho comestível, pois
Luna jamais pensaria usar o sangue de Clara para outras pessoas não se sentirem
“atraídas” também pelo cheiro). Quando chegou a hora do desfile, a multidão,
que mesmo sem fazer ideia da origem daquela roupa tão realista, aplaudiu Luna
de pé.
Passados 6 meses desde aquele inesquecível
evento, nunca mais se ouviu falar da mais nova cosplayer Luna Maria. Claro que,
para não desperdiçar tanto talento, a garota precisou fazer novas roupas, isto
é, de pessoas mais próximas, como seus pais e alguns vizinhos. O próximo
festival, acontecerá dentro de 2 semanas. Será que Luna repetirá a dose, usando
seu primeiro e mais amável cospele, ou inovará com outra barbárie que deixará a
todos de queixo caído?
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