Após um tempo, todos os habitantes das terras de minha
família notaram um acontecimento assustadoramente estranho: algumas aves,
galinhas, gansos, patos e um pavão, que criávamos na pequena fazenda da
propriedade, foram encontradas mortas nos arredores do local. Os pobres animais
apresentavam a mesma mutilação que causara a morte: o olho direito arrancado da
órbita. Jeito estranho de matar um animal, sem falar no, ainda mais estranho,
fato de o assassino ter levado o órgão tirado do bicho e deixado o corpo lá. Se
fosse algum ladrão, obviamente teria levado os restos da ave, ou sequer matado.
Claro que eu sabia
quem era o responsável pela morte das pobres aves, só não queria acreditar. Não
podia acreditar! Ernesto jamais fez mal a uma mosca, nem mesmo matava os
escorpiões ou cobras que apareciam nas pedras e jardins da propriedade. Porém,
como eu estava presente naquele desagradável dia de pescaria e vi o que
aconteceu, era impossível não tirar a ideia de que Ernie era o responsável
pelas mortes da cabeça. Não podia comentar isso com alguém da família ou com
outro empregado, pois julgariam a mim como o pobre insano, e não o velho.
Tudo piorou quando a
governanta da mansão faleceu. Velamos o corpo durante o dia, dentro de casa.
Todos os empregados, cozinheiros e ajudantes estavam abalados, exceto Ernesto
que sequer expressava-se, o que era estranho, pois ele sempre se relacionou
muito bem com a falecida Senhorita Carter. Durante a tarde, enterramos o corpo
no cemitério da vila local, onde estavam acontecendo mais dois enterros. Após
depositarmos o caixão na cova, todos saíram para tomar seu rumo, menos Ernie,
que ficou lá parado, observando o túmulo da velha governanta. “O que será que
ele estava pensado?” me perguntei, até que resolvi tentar falar com ele:
- Ernie, - Chamei. – não acha melhor irmos embora?
O velho tomou um
pequeno susto quando o chamei de repente, abrindo um pequeno sorriso e respondendo:
- Sim, meu filho, Tem razão. Acho que não há mais nada para
ver, por aqui.
Sua resposta fora uma
das coisas mais fingidas que já ouvira na vida. Finalmente, fomos para casa
quando já estava prestes a anoitecer.
Quando a noite caiu,
minha família e eu fomos jantar. Comemos pouco e decidimos ir dormir mais cedo,
exceto os empregados, que, ainda abalados com a morte da velha governanta e com
a chacina que acontecera no galinheiro (na qual eu sabia quem era o
responsável, porém tinha medo de dizer), estavam impossibilitados de sentir
sono. Durante a noite, não vi Ernesto em lugar algum da propriedade. Resolvi
verificar se ele estava em seus aposentos, mas a porta estava trancada, presumi
que ele já estivesse dormindo. Eu me sentia cansado, porém ainda preocupado com
o velho empregado; mesmo assim, decidi ir para cama.
Fui despertado, na
manhã seguinte, com uma notícia terrível! O túmulo da Senhorita Carter, nossa
governanta, havia sido violado, assim como os outros dois recentes. Fiquei
ainda mais aterrorizado quando me disseram o que roubaram dos túmulos: os olhos
direitos dos defuntos. Roupas, joias, relógios, nada disso fora levado, somente
o órgão que já não mais enxergava daquelas pessoas. Ernesto virou um ladrão de
túmulos! Jamais pensei que uma das pessoas que mais tinha confiança pudesse
fazer isso! Eu não podia fingir que nada havia acontecido. Precisava,
urgentemente, denunciar o empregado.
Meus pais eram
aquelas pessoas rígidas, que não aceitavam ouvir mentiras, e eu, que era apenas
um garoto de 16 anos, tinha autoridade nenhuma, nem mesmo evidências que
comprovassem que Ernie era o culpado pelos crimes. Como era de se imaginar,
meus pais não acreditaram em mim e me mandaram não dizer mais aquelas bobagens.
Mas, eu não conseguia tirar aquilo da cabeça.
O que diabos Ernesto seria capaz de fazer agora? Procurei o velho por
todos os lugares, mas não o encontrei, o que me deixou com medo. “O que será
que ele está fazendo?” me perguntava. Fui até seus aposentos, bati a porta e
chamei seu nome... nada! Tentei abrir... trancada! Era domingo, seu dia de
descanso, porém Ernie jamais respeitava essa regra. Queria chamar meu pai para
tentar convencer o empregado a abrir a porta do quarto, mas imaginei que aquela
seria uma péssima ideia. Até porque meus pais não estavam em casa, haviam saído
para resolver assuntos no centro da vila. Fiquei lá parado, até escutar uma voz
doce e suave chamar meu nome.
Era minha namorada,
a bela senhorita Lisa. Eu estava feliz em vê-la, mas, ainda assim, perguntei:
- O que estás fazendo aqui?
A garota, antes de
responder, agarrou-me para me dar um beijo. Em seguida, falou:
- Eu havia ligado para sua casa, de manhã cedo, mas você
estava dormindo. Sua mãe disse que estavas com algum problema e me pediu para visita-lo,
durante a tarde. Estive preocupado contigo! Não o veja há dias e sinto muito
sua falta.
É claro que eu também
sentia falta da minha menina, mas não pude esconder dela minha obsessão pela
ideia de que o velho Ernesto seria o responsável por aqueles crimes. Precisava
contar à Lisa o que eu vi e imaginei, mas tive medo que ela me jugasse como uma
pessoa de “imaginação delirante”, assim como meus pais. Enfim, contei.
Graças aos céus, pelo
menos Lisa pareceu acreditar em mim, querendo, de algum jeito, entrar nos
aposentos do empregado para encontrar alguma evidência que comprovasse sua
culpa pelos crimes. De repente, veio-me em mente uma ideia que já devia ter
pensado há horas! Havia um quarto no final do corredor do segundo andar de
minha casa que servia de depósito para gaveteiros. Com certeza, em uma das
gavetas estariam guardadas todas as cópias das chaves dos cômodos da casa, ou
até mesmo em uma das prateleiras da cozinha.
Portanto, resolvemos nos separar par encontrar a maldita
chave: Lisa fora procurar no quarto de depósito enquanto eu desci as escadas
até a cozinha para a busca.
(Continua...)
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