sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Conto - A órbita vazia de Ernesto (Parte II)

Após um tempo, todos os habitantes das terras de minha família notaram um acontecimento assustadoramente estranho: algumas aves, galinhas, gansos, patos e um pavão, que criávamos na pequena fazenda da propriedade, foram encontradas mortas nos arredores do local. Os pobres animais apresentavam a mesma mutilação que causara a morte: o olho direito arrancado da órbita. Jeito estranho de matar um animal, sem falar no, ainda mais estranho, fato de o assassino ter levado o órgão tirado do bicho e deixado o corpo lá. Se fosse algum ladrão, obviamente teria levado os restos da ave, ou sequer matado.

 Claro que eu sabia quem era o responsável pela morte das pobres aves, só não queria acreditar. Não podia acreditar! Ernesto jamais fez mal a uma mosca, nem mesmo matava os escorpiões ou cobras que apareciam nas pedras e jardins da propriedade. Porém, como eu estava presente naquele desagradável dia de pescaria e vi o que aconteceu, era impossível não tirar a ideia de que Ernie era o responsável pelas mortes da cabeça. Não podia comentar isso com alguém da família ou com outro empregado, pois julgariam a mim como o pobre insano, e não o velho.

 Tudo piorou quando a governanta da mansão faleceu. Velamos o corpo durante o dia, dentro de casa. Todos os empregados, cozinheiros e ajudantes estavam abalados, exceto Ernesto que sequer expressava-se, o que era estranho, pois ele sempre se relacionou muito bem com a falecida Senhorita Carter. Durante a tarde, enterramos o corpo no cemitério da vila local, onde estavam acontecendo mais dois enterros. Após depositarmos o caixão na cova, todos saíram para tomar seu rumo, menos Ernie, que ficou lá parado, observando o túmulo da velha governanta. “O que será que ele estava pensado?” me perguntei, até que resolvi tentar falar com ele:

- Ernie, - Chamei. – não acha melhor irmos embora?

 O velho tomou um pequeno susto quando o chamei de repente, abrindo um pequeno sorriso e respondendo:

- Sim, meu filho, Tem razão. Acho que não há mais nada para ver, por aqui.

 Sua resposta fora uma das coisas mais fingidas que já ouvira na vida. Finalmente, fomos para casa quando já estava prestes a anoitecer.

 Quando a noite caiu, minha família e eu fomos jantar. Comemos pouco e decidimos ir dormir mais cedo, exceto os empregados, que, ainda abalados com a morte da velha governanta e com a chacina que acontecera no galinheiro (na qual eu sabia quem era o responsável, porém tinha medo de dizer), estavam impossibilitados de sentir sono. Durante a noite, não vi Ernesto em lugar algum da propriedade. Resolvi verificar se ele estava em seus aposentos, mas a porta estava trancada, presumi que ele já estivesse dormindo. Eu me sentia cansado, porém ainda preocupado com o velho empregado; mesmo assim, decidi ir para cama.


 Fui despertado, na manhã seguinte, com uma notícia terrível! O túmulo da Senhorita Carter, nossa governanta, havia sido violado, assim como os outros dois recentes. Fiquei ainda mais aterrorizado quando me disseram o que roubaram dos túmulos: os olhos direitos dos defuntos. Roupas, joias, relógios, nada disso fora levado, somente o órgão que já não mais enxergava daquelas pessoas. Ernesto virou um ladrão de túmulos! Jamais pensei que uma das pessoas que mais tinha confiança pudesse fazer isso! Eu não podia fingir que nada havia acontecido. Precisava, urgentemente, denunciar o empregado. 

  Meus pais eram aquelas pessoas rígidas, que não aceitavam ouvir mentiras, e eu, que era apenas um garoto de 16 anos, tinha autoridade nenhuma, nem mesmo evidências que comprovassem que Ernie era o culpado pelos crimes. Como era de se imaginar, meus pais não acreditaram em mim e me mandaram não dizer mais aquelas bobagens. Mas, eu não conseguia tirar aquilo da cabeça.  O que diabos Ernesto seria capaz de fazer agora? Procurei o velho por todos os lugares, mas não o encontrei, o que me deixou com medo. “O que será que ele está fazendo?” me perguntava. Fui até seus aposentos, bati a porta e chamei seu nome... nada! Tentei abrir... trancada! Era domingo, seu dia de descanso, porém Ernie jamais respeitava essa regra. Queria chamar meu pai para tentar convencer o empregado a abrir a porta do quarto, mas imaginei que aquela seria uma péssima ideia. Até porque meus pais não estavam em casa, haviam saído para resolver assuntos no centro da vila. Fiquei lá parado, até escutar uma voz doce e suave chamar meu nome.

  Era minha namorada, a bela senhorita Lisa. Eu estava feliz em vê-la, mas, ainda assim, perguntei:

- O que estás fazendo aqui?

 A garota, antes de responder, agarrou-me para me dar um beijo. Em seguida, falou:

- Eu havia ligado para sua casa, de manhã cedo, mas você estava dormindo. Sua mãe disse que estavas com algum problema e me pediu para visita-lo, durante a tarde. Estive preocupado contigo! Não o veja há dias e sinto muito sua falta.

 É claro que eu também sentia falta da minha menina, mas não pude esconder dela minha obsessão pela ideia de que o velho Ernesto seria o responsável por aqueles crimes. Precisava contar à Lisa o que eu vi e imaginei, mas tive medo que ela me jugasse como uma pessoa de “imaginação delirante”, assim como meus pais. Enfim, contei.

 Graças aos céus, pelo menos Lisa pareceu acreditar em mim, querendo, de algum jeito, entrar nos aposentos do empregado para encontrar alguma evidência que comprovasse sua culpa pelos crimes. De repente, veio-me em mente uma ideia que já devia ter pensado há horas! Havia um quarto no final do corredor do segundo andar de minha casa que servia de depósito para gaveteiros. Com certeza, em uma das gavetas estariam guardadas todas as cópias das chaves dos cômodos da casa, ou até mesmo em uma das prateleiras da cozinha.

 Portanto, resolvemos nos separar par encontrar a maldita chave: Lisa fora procurar no quarto de depósito enquanto eu desci as escadas até a cozinha para a busca.


(Continua...)




Nenhum comentário:

Postar um comentário