sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Conto - A órbita vazia de Ernesto (Parte III)

 Assim que pus os pés na cozinha, recebi uma enorme carga do pior choque que alguém pode levar. Deparei-me como corpo de uma das cozinheiras estirado no chão, sobre uma poça de sangue que escorria devido um feito à faca na barriga, e um rasgo enorme na órbita direita, que já não possuía mais um olho. Acho que não preciso dizer quem, obviamente, havia feito aquilo. Agora tudo estava perdido para o velho empregado, tornara-se um assassino!  

 Ao ver o corpo da cozinheira, que fora uma das coisas mais terríveis que presenciei, meu grito de horror não saíra, pois ele fora interrompido por um forte golpe de um objeto metálico que senti na cabeça, deixando-me tonto. Caí no chão e agonizei de dor. Pude ver, de forma embaçada, Ernesto segurando um candelabro com a mão esquerda enquanto segurava uma faca ensanguentada, com um olho na ponta, com a direita. Sem mais nem menos, o velho afastou-se de mim, estava indo à escada. Ele sabia que minha namorada estava no segundo andar. Ernesto não queria meu olho direito, mas o dela.
 Eu estava tonto demais e lutei para levantar sem cair no chão ou mais próximo da poça de sangue que estava escorrendo pelos azulejos brancos da cozinha. Gritei por socorro, mas em vão, pois minha voz estava fraca, devido aos tamanhos choques e a dor insuportável que sentia na cabeça. Eu tinha deter Ernesto. Meu desespero ajudou-me esquecer do ferimento na cabeça que latejava, porém ainda me sentia tonto.

 Cambaleei até o hall da escada que dava acesso aos outros andares e vi o empregado subindo para atacar a senhorita Lisa. Apesar de estar enxergando tudo “girando”, lutei para permanecer de pé e não cair. Quando um grito desesperado veio da cozinha (alguém, finalmente, havia encontrado o corpo e chamaria os seguranças), Ernesto virou-se de costas assustado e se deparou comigo logo atrás, prestes a tentar mobilizá-lo. Ele foi mais rápido que eu, desferindo-me um golpe a faca, cortando meu rosto. De repente, senti minha visão direita tornar-se escura; a faca havia cortado minha córnea tão profundamente que me fizera perder a visão. O sangue jorrava.

 Quando o velho movimentou-se para me atacar novamente, Lisa aparece desesperadamente na escada, agarrando as mãos armadas de Ernie, impedindo-o de me esfaquear. Este, com uma força inacreditável, conseguiu livrar-se dela, atirando a garota para o lado. Fiquei com raiva e me joguei em frente ao velho para ataca-lo, alguma que nunca imaginei que fosse fazer um dia. Avancei, então, cheio de dor e tontura, para cima de Ernesto; travamos um violento confronto físico que nos fizera rolar escada abaixo.  Quando caímos no piso do hall, senti meus músculos moídos, ocasionando uma dor insuportável. O velho estava lá, deitado de barriga para baixo, tremendo. Fui verificá-lo e vi aquele fenômeno mais que estranho e perturbador, que já havia presenciado, porém jamais consegui explicar: lágrimas, vindas de sua órbita vazia, mesmo não tendo um órgão de visão, tampouco canal lacrimal, saiam por baixo de seu tapa-olho. Mesmo chorando e tremendo, Ernie pegou a faca numa fração de segundos e golpeou-me no olho esquerdo, sem mais nem menos. A dor me fizera perder os sentidos. Pude ouvir passos de pessoas armadas chegando ao local do incidente e, logo após, desmaiei.

 Quando acordei no hospital, descobri uma série de coisas: Assim que abri os olhos, percebi que agora poderia enxergar mais nada além de uma imensidão negra; Lisa, minha futura noiva, havia encontrado a chave dos aposentos de Ernesto e a polícia encontrara lá dentro potes com os olhos das aves e dos defuntos, ainda descobriram que, além da cozinheira, Ernie havia matado um dos jardineiros e escondera seu olho nos bolsos da calça; por último, descobri que o velho empregado havia morrido de um ataque cardíaco, após ter me atacado e recebido ordem de prisão.


 Fiquei muito triste quando soube da morte de Ernesto. Eu não pude sentir ódio daquele senhor que conhecia desde o dia que nasci, pois ele era apenas outra vítima das insanidades da mente humana. Sua loucura veio da obsessiva paixão e o desejo desesperado de possuir tal coisa que sempre desejara. Esse era o problema que incapacitava Ernesto de enxergar a razão e a triste realidade. 

  Apesar de eu não mais ter o privilégio de ver minha amada, nem meus entes queridos ou algumas outras pequenas coisas que me satisfaziam, acho que, na minha humilde opinião, mais vale perceber, sentir, ou até mesmo imaginar o mundo do que simplesmente ver suas tantas negatividades e os poucos atos que nos fazem ter menos esperanças nele. A realidade, porém, pode ser invisível para mim agora, mas deve ser encarada da mesma maneira como sempre fora. 




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