Assim que pus os pés na cozinha, recebi uma enorme carga do
pior choque que alguém pode levar. Deparei-me como corpo de uma das cozinheiras
estirado no chão, sobre uma poça de sangue que escorria devido um feito à faca
na barriga, e um rasgo enorme na órbita direita, que já não possuía mais um
olho. Acho que não preciso dizer quem, obviamente, havia feito aquilo. Agora
tudo estava perdido para o velho empregado, tornara-se um assassino!
Ao ver o corpo da
cozinheira, que fora uma das coisas mais terríveis que presenciei, meu grito de
horror não saíra, pois ele fora interrompido por um forte golpe de um objeto metálico
que senti na cabeça, deixando-me tonto. Caí no chão e agonizei de dor. Pude
ver, de forma embaçada, Ernesto segurando um candelabro com a mão esquerda enquanto
segurava uma faca ensanguentada, com um olho na ponta, com a direita. Sem mais
nem menos, o velho afastou-se de mim, estava indo à escada. Ele sabia que minha
namorada estava no segundo andar. Ernesto não queria meu olho direito, mas o
dela.
Eu estava tonto
demais e lutei para levantar sem cair no chão ou mais próximo da poça de sangue
que estava escorrendo pelos azulejos brancos da cozinha. Gritei por socorro,
mas em vão, pois minha voz estava fraca, devido aos tamanhos choques e a dor
insuportável que sentia na cabeça. Eu tinha deter Ernesto. Meu desespero
ajudou-me esquecer do ferimento na cabeça que latejava, porém ainda me sentia
tonto.
Cambaleei até o hall
da escada que dava acesso aos outros andares e vi o empregado subindo para
atacar a senhorita Lisa. Apesar de estar enxergando tudo “girando”, lutei para permanecer
de pé e não cair. Quando um grito desesperado veio da cozinha (alguém,
finalmente, havia encontrado o corpo e chamaria os seguranças), Ernesto
virou-se de costas assustado e se deparou comigo logo atrás, prestes a tentar
mobilizá-lo. Ele foi mais rápido que eu, desferindo-me um golpe a faca,
cortando meu rosto. De repente, senti minha visão direita tornar-se escura; a
faca havia cortado minha córnea tão profundamente que me fizera perder a visão.
O sangue jorrava.
Quando o velho
movimentou-se para me atacar novamente, Lisa aparece desesperadamente na
escada, agarrando as mãos armadas de Ernie, impedindo-o de me esfaquear. Este, com
uma força inacreditável, conseguiu livrar-se dela, atirando a garota para o
lado. Fiquei com raiva e me joguei em frente ao velho para ataca-lo, alguma que
nunca imaginei que fosse fazer um dia. Avancei, então, cheio de dor e tontura,
para cima de Ernesto; travamos um violento confronto físico que nos fizera
rolar escada abaixo. Quando caímos no piso
do hall, senti meus músculos moídos, ocasionando uma dor insuportável. O velho
estava lá, deitado de barriga para baixo, tremendo. Fui verificá-lo e vi aquele
fenômeno mais que estranho e perturbador, que já havia presenciado, porém
jamais consegui explicar: lágrimas, vindas de sua órbita vazia, mesmo não tendo
um órgão de visão, tampouco canal lacrimal, saiam por baixo de seu tapa-olho. Mesmo
chorando e tremendo, Ernie pegou a faca numa fração de segundos e golpeou-me no
olho esquerdo, sem mais nem menos. A dor me fizera perder os sentidos. Pude
ouvir passos de pessoas armadas chegando ao local do incidente e, logo após,
desmaiei.
Quando acordei no
hospital, descobri uma série de coisas: Assim que abri os olhos, percebi que
agora poderia enxergar mais nada além de uma imensidão negra; Lisa, minha
futura noiva, havia encontrado a chave dos aposentos de Ernesto e a polícia
encontrara lá dentro potes com os olhos das aves e dos defuntos, ainda
descobriram que, além da cozinheira, Ernie havia matado um dos jardineiros e
escondera seu olho nos bolsos da calça; por último, descobri que o velho
empregado havia morrido de um ataque cardíaco, após ter me atacado e recebido
ordem de prisão.
Fiquei muito triste
quando soube da morte de Ernesto. Eu não pude sentir ódio daquele senhor que
conhecia desde o dia que nasci, pois ele era apenas outra vítima das
insanidades da mente humana. Sua loucura veio da obsessiva paixão e o desejo
desesperado de possuir tal coisa que sempre desejara. Esse era o problema que
incapacitava Ernesto de enxergar a razão e a triste realidade.
Apesar de eu não mais ter o privilégio de ver
minha amada, nem meus entes queridos ou algumas outras pequenas coisas que me
satisfaziam, acho que, na minha humilde opinião, mais vale perceber, sentir, ou
até mesmo imaginar o mundo do que simplesmente ver suas tantas negatividades e
os poucos atos que nos fazem ter menos esperanças nele. A realidade, porém,
pode ser invisível para mim agora, mas deve ser encarada da mesma maneira como sempre
fora.
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