segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

A Velha

    Localizado há alguns quilômetros após a cidade de Caruaru, no agreste nordestino, o pequeno município de Fazenda Nova ficou famoso a partir do fim dos anos 60, por começar a sediar a peça de teatro "A Paixão de Cristo", realizada ao ar livre em um amplo e bonito ambiente. Lá, naquele tranquilo e pouco povoado município, morava uma senhora que há muito era temida por todas as crianças, Histórias sobre ela circulavam sobre o local há quase 15 anos e sempre deixou muito pequeninos amedrontados.

  A dona Augusta Julião, para os adultos e racionais, era apenas uma velhinha caduca e viúva de 82 anos, que gostava de andar pela cidadezinha com o cajado de pastor do seu falecido marido; para as crianças, era uma velha maluca que guarda o cadáver de seu marido em casa e matava as crianças que lhe incomodassem para deixar seus corpos ao lado de seu marido para regenerá-lo. Tão estranha e perigosa a mente de certas criancinhas do interior de Pernambuco...

   Numa dessas férias de janeiro, o garoto de 11 anos chamado Leonardo foi mandado ao município de Fazenda Nova para passar uns dias na casa  de seus tios. Lá, o menino aproveitaria com seus primos o resto das férias, longe do “corre-corre” da cidade. Leonardo era um garoto inteligente que nunca acreditou nas besteiras que seus primos contavam sobre a pobre dona Augusta. Era também participante, na cidade, de um grupinho infanto-juvenil chamado de “Clube dos Céticos”, formado por jovens que desmentiam qualquer boato sobre lendas urbanas ou histórias sobrenaturais. Leonardo teria aceitado viajar nas férias para Fazenda Nova para provar aos seus primos que a dona Augusta era apenas uma velhinha de saúde debilitada e pretendia contar tal história no Clube, quando voltar.

   Leonardo, desde que fizera sua primeira viagem a Fazenda Nova, ficou amigo do caboclo que cuidava do aluguel de cavalos. Jorge, como se chamava o caboclo, era um homem de mais ou menos 30 anos e extremamente simpático. Ao chegar de viagem, Leonardo foi direto falar com o amigo sobre sua ideia de provar aos primos “matutos” que a famosa velhinha louca da cidade não era irracional. Jorge riu, pois sempre achou tudo aquilo uma brincadeira de criança e perguntou, como quem estivesse entrado na brincadeira:

- Quer que eu vá também. Se qualquer coisa acontecer, terão um adulto por perto. 

  Leo pensou por um momento e respondeu:

- Pode ser. Topa mesmo? Só não faça brincadeirinhas perto dos meus primos. Eles são muito... assustados. Entende?

   Após combinarem tudo, Leo foi falar com seus primos. Convencê-los a ir foi uma tarefa um tanto complicada, porém sua prima Marina e seu primo João concordaram, apesar de estarem um pouco assustados. Marina e João sabiam de casos muito sinistros de crianças da cidade de Caruaru que haviam desaparecido desde 1997. 


   Ao cair da noite, as três crianças observaram dona Augusta caminhando com o cajado de pastor do seu falecido marido, usando dois pares de meia e um chinelo em cada pé e vestindo uma roupa de frio, devido à baixa temperatura que fazia durante a noite. A velha parou num barzinho, que ficava bem próximo a casa dos tios de Leo, entrou, pediu uma bebida e começou a dançar sozinha. Ao ver aquilo, Leo lançou um olhar para os primos como quem dissesse com aquela pobre criatura era normal como todos os outros. 


   Ao perceber que a velha estava saindo do bar, Leo resolveu chamar os primos para saírem e entrevistar a tão temida senhora. Saindo de casa, passaram na praça para chamar Jorge, que ia servir de guarda-costas. O homem, então, seguiu as crianças e até se divertiu bastante enquanto contava suas piadas sujas a elas. Os quatro caminharam até a casa da dona Augusta, que ficava um pouco afastada do município. Leo pretendia lá chegar, ser gentil e entrevistar a senhora, esperando não insultá-la ou que seus primos não fizessem nenhum comentário maldoso.  Coincidentemente, a casa da velha ficava bem próxima ao cemitério, mas isso não deixou o garoto da cidade desconfiado. Tal fato, porém, deixava seus primos de cabelos em pé. 
 

   Chegando na humilde residência da senhora, os 4 “investigadores” perceberam que ela ainda não havia chegado e resolveram esperar lá fora, sentados na estrada de terra, na escuridão de uma noite fria e silenciosa. Leo não pôde deixar de notar um carro estacionado ao lado da casa. “Devia ser do marido”, pensou o menino.

   Passaram-se 10 minutos, até que, finalmente, dona Augusta chegou à casa, andando da maneira mais lenta possível (era uma velhinha de 82 anos). Ao perceber a velhinha chegando, Leo levantou-se rapidamente e pediu para que os outros fizessem o mesmo. De repente, o garoto ouviu um estranho barulho vindo por trás, como se um objeto metálico houvesse atingido alguém na cabeça. Leo virou-se e mal viu seus dois primos caídos no chão quando uma pá acertou em cheio seu rosto, fazendo-o desmaiar.

   Quando acordou, tonto e dolorido, o garoto não sabia onde estava. Parecia a sala de estar de uma casa, cheia de objetos esquisitos que simbolizavam, para ele, magia negra. Percebeu estar em cima de uma mesa e, ainda muito tonto, tentou ver o que estava acontecendo do outro lado da sala. Estava ouvindo vozes, parecia uma conversa.

- Você devia pegar crianças de Caruaru, seu idiota! Lá é uma cidade grande! Perceberão o desaparecimento de 3 crianças aqui, nesse fim de mundo! Por que você trouxe esses moleques aqui?

- Vovó, a senhora me disse que eu devia trazer-lhe uma criança inteligente, com cérebro. Aquele garoto da cidade é um crânio, o cérebro dele funcionaria perfeitamente no vovô. E a senhora disse que recisava imediatamente de um bom cérebro. - Falou Jorge, de forma tão rápida que parecia estar elétrico.

  Leonardo não podia acreditar na loucura que estava escutando. Seu amigo Jorge era um psicopata que sequestrava crianças? Ele era neto de uma doida que “praticava” magia negra? As histórias sobre a velha Augusta eram verdadeiras? Então, aquele carro seria usado por Jorge para sequestrar crianças em Caruaru e lavá-las aos rituais psicopatas de sua avó, concluiu o garoto que recuperava a tontura para ver se seus primos estavam bem. De repente, Leo sentiu um cheiro extremamente desagradável, percebendo que estava vindo de sua direita. Ao se virar parar ver de onde tal cheiro estava vindo, controlou-se para não gritar ou fazer algum barulho. Havia pedaços de cadáveres espalhados em outra mesa, ao lado da sua, e, com certeza, eram seus primos. Braços, pernas, mãos, tudo estava separado dos corpos. 



De repente, a velha aproximou-se de Leo que fechou os olhos, fingindo estar desmaiado ou morto. Dona Augusta foi em direção a outra mesa, recolheu os pedaços de corpos e colocou-os dentro de um quarto que ficava ao lado. Quando a velha abriu a porta de tal aposento, Leo não deixou de notar um esqueleto sentado numa poltrona, cheio de pedaços de cadáveres ao seu redor. Percebeu imediatamente que era o senhor Julião e as pobres crianças caruaruenses desaparecidas. Ao deparar-se com aquela visão tão aterradora quanto a do próprio diabo, Leo não pensou duas vezes: saltou da mesa, correu em direção a porta que dava para a saída da casa, arrombou-a e correu. Ouviu a velha gritar para o neto:

- Pega esse menino! Ele não pode fugir!

  Leo correu em direção ao cemitério, e lá ficou. Ouviu o ronco do motor do carro usado por Jorge que tentava acha-lo no meio da escuridão e rezou para que não fosse pego.
    
   Após essa experiência horrível, ver seus primos mutilados, corpos de crianças em decomposição e artefatos de magia negra, Leo nunca mais fora visto. Desapareceu completamente, deixando seus tios, pais e familiares desesperados. Jorge fora interrogado pela polícia por ter sido visto com as crianças, mas seu bom papo e carisma não o fizeram um suspeito do crime.  A velha Augusta continua, até hoje, realizando seus “rituais” com crianças mortas, para trazer seu marido de volta do mundo dos mortos. Esse, entre outros fatos ocorridos em seu condenado passado, faz com que Augusta Julião, uma velhinha caduca do agreste nordestino, seja uma das perigosas psicopatas que fala “oxente”. Nunca mais se teve notícias de Leonardo.


     


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